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A pior divergência sob o rótulo do Espiritismo


ALHOS COM BUGALHOS, JOIO COM O TRIGO - É fácil misturar Allan Kardec com os deturpadores.

No Brasil em que se recebe fake news com uma comodidade ímpar, é fácil misturar o joio com o trigo, os alhos com bugalhos (não, não estamos falando do excelente youtuber Henry Bugalho). É fácil fazer montagens de fotos misturando Allan Kardec e Jesus de Nazaré com imagens dos deturpadores da Doutrina Espírita e até alguns "espíritos" fictícios.

Devemos chamar a atenção, portanto, da diferença entre Emmanuel e Joana de Angelis pois, se o espírito do jesuíta mostra indícios de ter sido evocado por Francisco Cândido Xavier, o mesmo, todavia, não ocorreu com Joana de Angelis, porque ela não foi Joana Angélica, mas antes um pseudônimo do obsessor de Divaldo Franco, o "Máscara de Ferro". Explicaremos isso mais tarde.

O que vamos considerar, aqui, é a pior divergência que o chamado "espiritismo à brasileira" tem em relação ao Espiritismo francês e que derruba de vez a tese de que o "nosso Espiritismo" cumpre o respeito e a fidelidade absolutamente rigorosos aos ensinamentos de Allan Kardec.

A premissa de "fidelidade doutrinária" dos brasileiros é falsa e hipócrita. Há palestrantes "espíritas" que julgam como "compreender melhor Kardec" atos banais e fajutos como doar cobertores velhos, rasgados ou manchados, para mendigos. Ou produzir, nas "casas espíritas", almoços com arroz, feijão e macarrão de péssima qualidade e, não raro, com prazo de validade vencido, como ocorre frequentemente nessas festejadas ações de "caridade espírita", fundamentadas no Assistencialismo.

A deturpação do Espiritismo é uma realidade, embora ela tenha sumido da nossa imprensa há anos. Mais ou menos desde 1974 não se tem notícia de uma matéria sobre deturpação espírita e muitos pensam que tudo permanece, se não num mar de rosas, pelo menos sob um céu de brigadeiro. E de repente, pela nossa tendenciosa imprensa, Allan Kardec passou a "acreditar" até em crianças-índigos. É um absurdo!

Nos chama a atenção o terrível alerta que vemos no filme Kardec, em que se distorce o sentido de uma frase do pedagogo francês, "só é inabalável a fé que pode enfrentar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade" (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo 19 - A Fé que Transporta Montanhas, segmento "A Fé Religiosa - Condição da Fé Inabalavel"), que no longa-metragem virou "A fé inabalável é aquela capaz de enfrentar sem temor a Razão. Essa é a mais pura verdade".

Ele mostra um desvirtuamento de uma ideia de Allan Kardec, trabalhada de forma que fizesse com que ele discordasse de si mesmo. Da maneira com que o "Kardec" do filme falava sobre a relação entre Fé e Razão, tem-se a falsa impressão de que a Fé, dotada de vitimismo, pode ter a força inabalável para combater o rigor da Razão.

Isso vai contra o que o próprio Allan Kardec disse, porque ele sempre defendeu o rigor da Razão e, mesmo considerando a validade da Fé, ela não poderia ocorrer à margem da Razão. É como o próprio Kardec havia descrito, diante da pretensão da Fé de se sobrepor à Razão, que ele define como "fé cega" (que o "espiritismo" brasileiro acolhe sob o eufemismo do "olhar do coração"), no referido capítulo de O Evangelho Segundo o Espiritismo:

"É precisamente o dogma da fé cega que hoje em dia produz o maior número de incrédulos. Porque ela quer impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: a que se constitui do raciocínio e do livre-arbítrio".

Isso revela uma grande divergência em relação ao "espiritismo" brasileiro. Enquanto Allan Kardec defendia que tudo deveria ser examinado sob o rigor da Razão, o "médium" e principal ideólogo do "espiritismo" brasileiro, Francisco Cândido Xavier, dizia o contrário, defendendo a restrição do raciocínio lógico para não cair nas "paixões terrenas", eufemismo usado quando o senso crítico investe em análises que soam desagradáveis aos "espíritas" brasileiros.

Chico Xavier sempre reprovava o senso crítico. Fingia que apoiava, mas o rejeitava severamente. Seus apelos sempre eram para "não questionar", "não julgar", "não reclamar", nada que representasse algum questionamento era aceito pelo "médium", que fazia isso em proveito próprio. Afinal, se houver senso crítico aprofundado, a suposta obra mediúnica de Chico Xavier seria imediatamente desmascarada.

Vejamos o que o "médium" disse certa vez, numa declaração que parece "bonita" à primeira vista, mas é de uma covardia sem nome:

"A sabedoria superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!"

Só os tolos dariam validade a essa ideia que, melhor analisada, é de uma mistificação descarada. Afinal, a sabedoria superior é aquela que afronta todas as questões. E Chico Xavier foi contra até mesmo o grande filósofo René Descartes, que tinha na Dúvida - fenômeno oposto da Fé, porque esta se manifesta no ato de acreditar e a outra, não, conforme a dicotomia da famosa mensagem de São Francisco de Assis - o seu maior instrumento de análise.

Allan Kardec era cartesiano e ele também teve na Dúvida a sua ferramenta de raciocínio. Muito diferente e, aberrantemente diferente de Chico Xavier, um sujeito que só queria acreditar, e enfatizava a Fé, e não a Razão, como princípio de compreensão do mundo.

Essa divergência é gravíssima e coloca duas religiões sob o mesmo nome e, supostamente, unificadas entre si, em polos extremamente opostos. E isso não é bom, porque o "espiritismo" brasileiro, supostamente mais moderno, tem a abordagem mais retrógrada, próxima do obscurantismo do pensamento católico medieval, ainda mais com Chico Xavier devoto da Teologia do Sofrimento (corrente mais medieval ainda), conforme se prova em suas ideias.

Isso tem que ser amplamente denunciado, porque desmascara o que se pensa sobre o Espiritismo no Brasil, uma ilusão em narrativa novelesca que coloca a "catolicização" da Doutrina Espírita como um processo acidental e inocente, e que é difundida de maneira submissa pela imprensa em geral, cujas reportagens sobre a doutrina de Kardec mais parecem press-releases da "Federação Espírita Brasileira".

Com suas ideias que priorizam a Fé em detrimento da Razão - apesar de toda falácia pretensamente "em prol do Conhecimento" - , Chico Xavier prova ser o extremo oposto de Allan Kardec, o que derruba de vez a ideia de que ele era reencarnação do pedagogo francês, mas também aniquila por definitivo a ideia de que ele foi seu discípulo.

E não é bom falar em Chico Xavier como um "médium que errou", como se fosse um erro sem muita importância. Esse erro é gravíssimo e deve ser responsabilizado severamente. Esse erro trouxe sérios danos para a real compreensão dos temas espíritas no Brasil.

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