Ainda vamos investigar, com coragem, as artimanhas do grande ilusionista e manipulador de corações e mentes humanos que Chico Xavier, mesmo postumamente, exerce sobre os brasileiros. A sua figura pitoresca e bastante perigosa tornou-se uma pretensa unanimidade como um deturpador do Espiritismo e um reacionário contumaz que se impôs acima das ideologias e crenças.
Se observarmos bem, a trajetória do sujeito conhecido formalmente como Francisco Cândido Xavier tem mais a ver com um espetáculo de ilusionismo, combinado a uma biografia tipicamente surreal. Ele nunca seria o sujeito que haveria de ser endeusado nem adorado, mas exerceu um poder descomunal que fez muitos brasileiros serem escravos de sua imagem mística, extremamente traiçoeira como um canto-de-sereia narrado na Odisseia de Homero.
Sabe-se que Chico Xavier catolicizou o Espiritismo, desviando do rigor lógico da doutrina francesa. O tempero "católico" que o que conhecemos aqui como "espiritismo" recebeu não deve ser visto como um detalhe acidental nem um efeito do "entusiasmo em excesso" pelas origens católicas do suposto médium, mas um perigoso mecanismo de evitar com que o esclarecimento encontrasse terreno no Brasil.
Se o mito de Chico Xavier deu certo, não foi por suas virtudes, absolutas ou relativas, que diversos tipos de partidários acreditam existir neles. Foi por uma série de conveniências do momento, combinando o poder hipnótico do "médium" e o tino publicitário do seu tutor e então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, parceiro, até os anos 1960, de muitos dos livros "mediúnicos".
Técnicas de dominação da mente humana, de propaganda religiosa, de desenvolvimento de mitos populares, tantos artifícios foram feitos para "engrandecer" Chico Xavier, enganando até mesmo pessoas com algum grau de esclarecimento.
E isso não foi sem aviso. Afinal, Allan Kardec, em vários textos, sempre alertava para a mistificação que os deturpadores da Doutrina Espírita faziam, com habilidade suficiente para deixar desprevenidos até aqueles que possuem algum nível de esclarecimento. Espíritos mensageiros como Erasto e São Luís também davam esses avisos, antecipando um fenômeno de extrema gravidade que se deixou passar pelos brasileiros deslumbrados.
TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO MENTAL
Admirador de circo, Chico Xavier desenvolveu técnicas de ilusão e manipulação mental. Ele tornou-se um artífice na arte de influenciar pessoas e dizia "receber os mortos" por dois motivos estratégicos: intimidar as pessoas (que ainda mantinham uma atitude temerosa em relação aos espíritos do além), evitando assim ser questionado por muitos, e garantir a pretensa superioridade sobrenatural.
Ele usou vários recursos, mas o maior deles é o "bombardeio de amor", recurso dos mais perigosos de manipulação mental, por forjar pretensa afetividade e mostrar apelos associados à beleza e às virtudes humanas, como maneira de dominar as pessoas. Foi o "bombardeio de amor", do inglês love bombing, que fez Chico Xavier a pessoa adorada que é.
No episódio do processo judicial dos herdeiros de Humberto de Campos, o "médium" fez das suas. Chico Xavier e Wantuil de Freitas produziram em 1944 uma mensagem atribuída ao autor maranhense, na qual aspectos muito estranhos como o pretenso "Humberto" desprezar sua própria patente intelectual, complacente com a apropriação irresponsável do "médium" e do então presidente da FEB:
"Eis, porém, que comparecem meus filhos diante da justiça, reclamando uma sentença declaratória. Querem saber, por intermédio do Direito Humano, se eu sou eu mesmo, como se as leis terrestres, respeitabilíssimas embora, pudessem substituir os olhos do coração. Abre-se o mecanismo processual, e o escândalo jornalístico acende a fogueira da opinião pública. Exigem meus filhos a minha patente literária e, para isso, recorrem à petição judicial. Não precisavam, todavia, movimentar o exército dos parágrafos e atormentar o cérebro dos juízes. Que é semelhante reclamação para quem já lhes deu a vida da sua vida? Que é um nome, simples ajuntamento de sílabas, sem maior significação? Ninguém conhece, na Terra, os nomes dos elevados cooperadores de Deus, que sustentam as leis universais; entretanto são elas executadas sem esquecimento de um til".
Esse apelo é choroso, piegas e não tem a menor lógica. E a mensagem, em vários textos, mostra uma linguagem típica dos depoimentos pessoais de Chico Xavier. O apelo à "caridade" - ideia associada ao "médium", que nunca a praticou, mas estabelece sobre ela um vínculo comparável ao que Luciano Huck (admirador confesso do "médium") busca fazer nos últimos anos - serve como um recurso leviano para justificar o desprezo à patente literária exigida pelos herdeiros de Humberto de Campos.
O processo judicial, sabemos, acabou em impunidade. O juiz suplente da 8ª Vara Criminal do Distrito Federal (então Rio de Janeiro), o conhecido jurista João Frederico Mourão Russell - cuja atuação, neste caso, antecipou a "justiça seletiva" de nomes como Sérgio Moro, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Raquel Dodge - , considerou o processo contra Chico Xavier e Wantuil "improcedente" e ainda forçou a viúva de Humberto, Catarina Vergolino de Campos, a pagar os custos advocatícios.
A impunidade abriu caminho para seguir com as apropriações indébitas a Humberto, num claro e escancarado tipo de falsidade ideológica. A "carteirada religiosa" foi a senha para que tamanho abuso fosse livremente cometido, mesmo quando o nome do autor maranhense fosse substituído pelo codinome "Irmão X". Mesmo assim, esse codinome servia para uso externo, pois dentro do "movimento espírita" o crédito continuava sendo atribuído a "Humberto de Campos".
O "bombardeio de amor" se deu em 1957, quando Catarina Vergolino já havia morrido seis anos antes e Humberto de Campos Filho, que trabalhava em televisão, era influenciado pelos seus colegas - a FEB fazia um lobby nos Diários Associados para promover o "espiritismo" brasileiro - , começava a se interessar pela religião "kardecista".
Vendo isso, Chico Xavier viu uma oportunidade para dominá-lo, visando assim evitar que novos processos judiciais fossem lançados, como recursos contra as sentenças favoráveis ao "médium". Um evento em Uberaba, no "Grupo Espírita da Prece", foi montado para
O evento incluiu uma doutrinária comandada por Chico Xavier, uma visita aos aposentos do GEP e, depois, uma pequena excursão, por meio de uma caravana, pelas áreas pobres de Uberaba. Em todo momento, o "bombardeio de amor" era usado para dominar Humberto Filho e, no final da doutrinária, o "médium" foi abraçar o filho do autor maranhense e, envolvendo-o emocionalmente, o fez chorar aos soluços, como aqueles que são dominados pelo "bombardeio de amor".
Vendo que Humberto foi dominado, Chico forjou um falsete soturno, dizendo uma mensagem afetuosa, que o fez ficar confuso, duvidando se era a voz do seu pai ou não. Foi uma forma de dominação que se revelou, infelizmente, certeira, e uma amostra de como o "bombardeio de amor" foi um instrumento que fez Chico Xavier receber a adoração que recebe até hoje.
Atualmente, o "bombardeio de amor" envolvendo Chico Xavier acontece nas redes sociais - que, por afinidade de sintonia, são redutos de reacionarismo e mensagens fake, ambos associados à obra do "médium" - , através de frases escritas por ele (ainda que atribuídas a autores mortos) com o seu retrato e, frequentemente, com apelos visuais como jardins floridos, céus azulados e passarinhos voando sobre flores.
É o love bombing seduzindo internautas nesse "paraíso" da desinformação e do deslumbramento, terrenos férteis para a mistificação religiosa e a falsa caridade que se tornam a propaganda fácil do esperto "médium" que mais deturpou o Espiritismo no Brasil.
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