O "espiritismo" brasileiro, como religião neo-medieval - apesar de seu aparato "roubado" do Espiritismo francês - , se fundamenta mais na Teologia do Sofrimento do que pelos próprios ensinamentos espíritas originais.
Por isso, seus pregadores agem demonstrando completa insensibilidade com as angústias alheias, em muitos casos dando acusações infundadas às vítimas, que são quase sempre tidas como "culpadas" pelos infortúnios que sofrem.
Esse moralismo retrógrado trazido pelos pregadores "espíritas" - entre os ditos "médiuns" e os pregadores "comuns" - chega ao cinismo de apostar na tese do "combate ao inimigo de si mesmo", uma ideia nefasta e medieval que entra em contradição com a própria reprovação do "espiritismo" ao suicídio, pois a tese do "inimigo de si mesmo" é uma incitação ao suicídio, sob o ponto de vista de quem está desesperado na vida.
É muito fácil os pregadores "espíritas" acusarem os outros. Eles não entendem o sofrimento alheio, fingem entender, mas investem apenas em palavreados que não trazem solução alguma. Enrolam para explicar que os infortúnios sofridos por alguém são produzidos "por sua própria culpa", o que é um julgamento de valor dos mais perversos.
Que todos erramos na vida, isso é verdade. Mas há casos em que os infortúnios escapam do controle de cada pessoa, que mesmo com todo o esforço, com todo o jogo de cintura e toda a perseverença e fé, não consegue sequer derrubar um obstáculo, e, em muitos casos, sofre ameaças e dificuldades que nem mesmo um dia inteiro de preces consegue trazer alguma digna solução.
"ESPÍRITAS" REPROVAM A INDIVIDUALIDADE HUMANA
O moralismo retrógrado dos "espíritas", mesmo quando tenta sinalizar uma postura pretensamente oposta, condena a individualidade humana. Sob o rótulo de "fraternidade", o "espiritismo" brasileiro prefere que as pessoas sejam apenas "partes de um gado humano", sem "perderem do caminho" do "rebanho" através de diferenças individuais.
É por isso que o moralismo "espírita" é pouco inclinado a estudar as angústias humanas, mesmo quando seus pregadores finjam concordar com a ideia de que "cada caso é um caso". Nas "casas espíritas", as soluções apresentadas nos auxílios fraternos são geralmente solipsistas, baseados em vivências e convicções pessoais dos próprios "espíritas".
O que os pregadores "espíritas", tão felizes em pedir aos sofredores "terem paciência infinita" com os infortúnios que lhes acumulam numa vida sem controle, ignoram é que o julgamento de valor sempre traz um peso maior para o "eu", nas duras responsabilidades em incriminar e ignorar o sofrimento alheio.
Desse modo, lembremos da lição trazida por São Mateus sofre o argueiro e a trave, na qual os "espíritas" pedem para os sofredores arrancarem os argueiros de seus olhos, mas, quanto às traves dos próprios "espíritas", elas permanecem nos seus olhos, para seu desespero.
Quando o "espírita" pede ao sofredor abrir mão de seus desejos e necessidades, a ponto de exagerarem, dizendo para "renunciar a si mesmo" radicalmente - embora, em momento posterior, tentem desmentir o que eles mesmo disseram convictamente, tentando mascarar o julgamento de valor anterior - , o pregador dessa religião se esquece do problema da relação entre o "eu" e o "outro".
Os "espíritas" adoram atribuir o "eu" àqueles que, em tese, acolhe como seguidores e assistidos. Por isso acham-se confortáveis em dizer para o sofredor abandonar sua individualidade e "combater o inimigo em si mesmo", porque o "eu" está sempre na figura do sofredor, do angustiado, do infortunado.
Grande engano. No processo comunicativo, o emissor da mensagem não pode se mascarar pela figura do "outro". O pregador "espírita", hipócrita, não se acha o "eu". Ele "representa" Jesus, Allan Kardec, Deus, e nunca se assume como o interlocutor egocêntrico que demonstra ser.
É muito fácil ele dizer aos sofredores para "segurarem a barra", mesmo que seja pelo resto da vida, porque o pregador "espírita" vê o "outro" como "eu", e nunca o próprio pregador como seu "eu". É por isso que lhes soa doloroso, embora realista, admitir que o moralismo "espírita" trocou o recado kardeciano "Fora da caridade não há salvação" pelo ditado popular "Pimenta nos olhos dos outros é refresco".
O "espírita" vive vida confortável, numa classe média beneficiada por viagens, hospedagens e refeições do mais puro conforto e relativa opulência (eles não podem ostentar muito e precisam manter o verniz de "simplicidade"). Ele não sabe o que é acumular desgraças por toda a vida, ignora os prantos que os sofredores têm diariamente, e por isso lhes pede para aceitarem tudo em silêncio e esperar a graça de Deus, ainda que ela venha postumamente.
Posando de "humilde" até quando viaja a Paris, se comportando como os velhos escribas da Judeia com fanfarrona idolatria diante do túmulo de Allan Kardec, o pregador "espírita" é que tem que se envergonhar pelo seu julgamento de valor, e pensar duas vezes antes de usar a falácia do "combate ao inimigo de si mesmo".
Os pregadores "espíritas" é que precisam ver o que são eles mesmos, pois o "autoconhecimento" que exigem dos outros, mesmo sob palavras dóceis, não têm coragem de possuir. Sobretudo quando eles adotam um repertório de ideias e crenças igrejeiras, medievais, ocultistas e obscurantistas que contrariam frontalmente os ensinamentos do Espiritismo original.
Seu moralismo sempre pede para os sofredores aceitarem desgraças, e mesmo quando tentam compreender a situação de angústia e infortúnio extremos, não conseguem perceber a fundo tais problemas, sempre se intrometendo em sugerir soluções que não têm a ver com as naturezas pessoais de quem sofre.
Além disso, o discurso do "inimigo de si mesmo", tão bonito no aparato dessas palavras gladiadoras dissolvidas em água com açúcar, pode custar caro aos pregadores "espíritas" com ânsia para encurtar seus caminhos para o Céu, pois poderão manchar suas trajetórias impulsionando sofredores ao suicídio, desesperados com tamanhas ideias que, para quem está em pânico e desespero descontrolado, soa mais como uma autorização para tirar a própria vida.
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