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Caso Amauri Xavier desmente tese de que "espiritismo" brasileiro não prega o ódio


AMAURI XAVIER, SOBRINHO DE CHICO XAVIER.

A revelação de uma reportagem de Manchete, de 09 de agosto de 1958, intitulada "Chico Xavier é um mistificador", lança na Internet o antigo caso de Amauri Xavier e a verdadeira história do sobrinho do famoso "médium" Francisco Cândido Xavier, que resolveu denunciar o próprio tio e prometer fazer uma devassa no "movimento espírita" há 61 anos.

O caso é o seguinte. Amauri Xavier era conhecido como um "aspirante a médium" que lia livros e escrevia poemas desde a infância. Chico Xavier o via como um sucessor e Amauri havia realizado várias obras poéticas tidas como "psicografadas" e tinha até livros prontos para publicação.

O depoimento de Amauri traz suspeitas quanto à ganância do "movimento espírita" em querer que ele fizesse as "psicografias", e o jovem não aguentava tantas pressões, uma vez que se angustiava em ter que fingir estar recebendo diversos grandes escritores:

"Sempre encontrei muita facilidade em imitar estilos. Por isso, os espíritas diziam que tudo quanto saía do meu lápis eram mensagens ditadas pelos espíritos desencarnados. Revoltava-me contra essas afirmativas, porque nada ouvia ou sentia de estranho, quando escrevia. Os espíritas, entretanto, procuravam convencer-me de que era médium. Levado a meu tio, um dia, assegurou-me ele, depois de ler o que eu escrevera, que deveria ser seu substituto. Isso animou bastante os espíritas. Insistiram para que fosse médium.

Passei a viver pressionado pelos adeptos da chamada 'terceira revelação'. A situação torturava-me e, várias vezes, procurando fugir àquele inferno interior, entreguei-me a perigosas aventuras. Diversas vezes, saí de casa, fugindo à convivência de espíritas. Cansado, enfim, cedi, dando os primeiros passos no caminho da farsa constante. Teria 17 anos. Ainda assim, não me vi com forças para continuar o roteiro. Perseguido pelo remorso e atormentado pelo desespero, cometi desatinos. Em algumas oportunidades, tentei recuar, sucumbido, atordoado. Vi-me, então, diante de duas alternativas: mergulhar de vez na mentira e arruinar-me para sempre ou levantar-me corajosamente para penitenciar-me diante do mundo e de mim mesmo, libertando-me definitivamente. Foi o que resolvi fazer, procurando um jornal mineiro e revelando toda a farsa. Sei das reações que minhas declarações causarão. Mas não me importo. O certo é que, enquanto me sacrificava pela propaganda de uma mentira, não me julgavam maluco. Não desmascaro meu tio como homem, mas como médium. Chico Xavier ficou famoso pelo livro 'Parnaso de Além-Túmulo'. Tenho uma obra idêntica e, para fazê-la, não recorri a nenhuma psicografia.

Ele lê avidamente e não tem autor predileto. Antes de se comprometer para qualquer visita mediúnica, lê até de madrugada, para fortalecer seus conhecimentos literários. É inteligente e, com 'espírito' ou sem 'espírito', desde cedo, revelou-se perfeito imitador dos mais variados estilos. É, entretanto, um revoltado, não conseguindo mais recuar diante da mistificação que há longos anos vem representando. São os seus amigos que se aproveitam mais dela".

As denúncias foram publicadas, primeiro, no Diário de Minas, naquele mesmo 09 de agosto de 1958. Era o segundo grande escândalo envolvendo o suposto médium Chico Xavier, que em 1944 havia se tornado réu por um processo judicial movido pelos herdeiros do escritor maranhense Humberto de Campos, ato que resultou em impunidade, pela atuação seletiva do juiz suplente João Frederico Mourão Russell, que não entendeu a natureza da causa e julgou o processo "improcedente".

São escândalos envolvendo fraudes literárias. Chico Xavier foi um dos sujeitos mais desonestos da História do Brasil, pela suposição de produzir "literatura mediúnica", quando ele apresentava indícios de problemas mentais associados à esquizofrenia, doença psicológica que não impede seu portador de ser sociável e apresentar eventual lucidez, mas o faz sujeito a constantes alucinações e delírios que, no caso do suposto médium, o faria pensar que "falava com os mortos".

Muita gente acreditou porque o Brasil tem uma noção muito confusa de acolher ao mesmo tempo arrivistas e pessoas com problemas mentais que alcançam alguma vantagem pessoal. Aspectos que variam entre uma perspectiva religiosa medieval e o jeitinho brasileiro fazem com que pessoas como Chico Xavier, mesmo quando se assume suas "imperfeições", sejam idolatradas de maneira obsessiva e obsediada como acontece no Brasil.

Endeusamos esquizofrênicos porque temos uma formação moralista confusa, a mesma que permitiu a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro. Muitos reclamam das associações entre Chico Xavier e Jair Bolsonaro, chegando até a chorar diante disso, mas a verdade é que ambos, além da origem arrivista semelhante - ambos causaram confusões, um com literatura fake e outro com plano de atentado a bomba, causando um mesmo tipo de irritações nos seus meios sociais respectivos - , se projetaram sob as mesmas condições psicológicas e simbólicas do povo brasileiro.

As ideias de Chico Xavier e Jair Bolsonaro são idênticas. Ambos defendem o aumento da jornada de trabalho, a redução de salários - para o "médium", basta ter o básico para a sobrevivência com "um mínimo de conforto possível" - e valores bastante semelhantes aos da "cura gay" e do projeto Escola Sem Partido. Os "espíritas" se irritam com essa constatação, mas agem como se não leram os efeitos colaterais numa bula de remédios.

Afinal, Chico Xavier havia defendido a ditadura militar, no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, sob dois pretextos, o de "combater o caos" que o "médium" acusava o esquerdismo de ter provocado, e o de "construir o reino de amor" para o Brasil do futuro, missão que havia atribuído aos generais. Mas mesmo a repressão militar era defendida pelo "médium", em suas próprias palavras, conforme se vê abaixo:

"Temos que convir, que os militares, em 3l de março de 1964, só deram  o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas, desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades.

Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5 em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, seqüestros de embaixadores e mortes de inocentes".

A alegação de que Chico Xavier e Jair Bolsonaro "nada têm a ver" um com o outro, tão alardeado pelos "espíritas" , se sustenta na tese de que Chico Xavier está associado a um "ideal de amor, paz e fraternidade", sendo "impensável" e "totalmente inconcebível" que ele estivesse associado ao ex-capitão que propõe a liberação do comércio de armas aos cidadãos comuns (o filho Flávio Bolsonaro, senador fluminense, propôs até a instalação de uma fábrica de armas no Brasil).

"ESPIRITISMO" BRASILEIRO DIZ "REPUDIAR TODO TIPO DE ÓDIO"

Sempre houve dúvidas sobre essa "incapacidade de ódio" do "espiritismo" brasileiro. A doutrina igrejeira diz "repudiar todo tipo de ódio" e, aparentemente, acolhe posturas divergentes de maneira "infinitamente misericordiosa".

Mas não foi isso que aconteceu no caso de Amauri Xavier. O jovem, que era adorado na cidade de Sabará, Minas Gerais, ao denunciar as fraudes do tio passou a ser alvo não só de uma campanha difamatória de parte do "meio espírita" mas dele recebeu ameaças de morte, como a reportagem de Manchete, de autoria de Jayme Negreiros, afirmou: "Em Belo Horizonte, Sabará e Pedro Leopoldo, diz-se que Amauri Pena foi ameaçado de morrer envenenado pelo meio espírita, e que ele resolveu "desmascarar o tio por despeito".

A "ameaça de morrer envenenado" pode ser uma pista para a morte suspeita de Amauri Xavier, aos 28 anos incompletos, em 26 de junho de 1961, após uma campanha difamatória na qual um delegado de Sabará, Agostinho Couto (com um perfil que, hoje, equivaleria ao de um apoiador de Jair Bolsonaro), inventou que Amauri até "falsificava dinheiro", apenas por rumores de que ele havia rasurado uma nota de Cr$ 10 para que "parecesse" Cr$ 100.

É até constrangedor que hoje os "espíritas" - normalmente reacionários, mas com muito medo de assumir esse reacionarismo - digam reprovar maledicências, vinganças, represálias e acusações indevidas, mas da parte deles há muitos pontos bastante estranhos.

O próprio Chico Xavier é acusado de fazer juízo de valor bastante cruel, ele que é famoso pelo apelo de que "não se deve fazer julgamento a quem quer que fosse". Em Cartas e Crônicas, de 1966, Chico acusou as vítimas do incêndio do Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, 17 de abril de 1961 - a tragédia comoveu o mundo em toda a virada de 1961 para 1962, com um número incontável de mortos, mas oficialmente de cerca de 500 - de terem sido "cidadãos sanguinários" da Gália, no século II da nossa era.

A acusação, sempre baseada no mito dos "reajustes morais" e dos "resgates coletivos" - ideias herdadas do moralismo punitivista de Jean-Baptiste Roustaing - e com uma atribuição reencarnatória feita sem o mínimo fundamento teórico nem científico, teve como agravante o fato de que Chico Xavier atribuiu a terrível acusação ao "desafeto" Humberto de Campos, do qual Chico usurpou por ter desgostado de uma crônica (breve explicaremos isso), dissimulado pelo codinome "Irmão X".

Há coisas terríveis no moralismo "espírita". A adoção da Teologia do Sofrimento, corrente originária do Catolicismo medieval e resgatada no século XX por Madre Teresa de Calcutá, tem em Chico Xavier seu defensor mais entusiasmado no Brasil, mais até do que muito católico de carteirinha. Ela consiste em apelar para os sofredores aguentarem desgraças sem reclamar da vida, sob a desculpa de que, mais tarde, seja na velhice, vida espiritual ou próxima reencarnação, terão "coisa melhor".

Há muitas estranhezas nesse moralismo "espírita". Primeiro, porque praticamente sufoca a pessoa na sua desgraça, no seu infortúnio, aconselhando-a a aguentar tudo até no limite, e, talvez, acima dele. Não raro os pregadores "espíritas" chegam ao ponto de dizer, de maneira sádica: "Que são décadas de sofrimento intenso diante da eternidade de bênçãos que virão pela frente?".

Em muitos casos, o "espiritismo" brasileiro aposta na culpabilidade da vítima, atribuindo a ela a responsabilidade para "pagar pelo que fez". A religião brasileira não mede escrúpulos para efetuar o chamado "estelionato moral", e já houve jornalista "espírita" que, defendendo a resignação com o sofrimento, dissesse que "sentir remorso é inútil" no sentido de querer se livrar da desgraça vivida.

Só que o sofrimento extremo e o sufoco emocional da resignação, enquanto a pessoa se irrita e se enfurece por dentro, produz sentimentos de ódio e vingança que, de alguma forma, podem traduzir em atos que, na menor das hipóteses, resultam em iniciativas maliciosas, traiçoeiras e da mais sutil cupidez. Podem ser formas "menores" de "puxar o tapete de outro", mas que resultam pela overdose de adversidades que o sofredor extremo era obrigado a suportar calado.

Da parte dos seguidores de Chico Xavier, o sentimento vingativo e rancoroso existe e derruba de vez o mito de que eles estão protegidos pelas "energias elevadas" do seu "bondoso" ídolo. Quando são contrariadas, surtam e explodem em comentários psicopatas como este, ou em "carteiradas" como "Quem é você para falar de Chico Xavier?". No tempo de Amauri Xavier (1958), o palestrante "espírita" Henrique Rodrigues produziu um texto claramente raivoso contra o jovem.

Em muitos casos, os adeptos do "médium" reagem com muita arrogância, surpreendente irritação e, não obstante, fazem ameaças. O falecido estudioso do Espiritismo francês, Jorge Murta, havia dito numa comunidade do Facebook que havia sofrido ameaças de chiquistas por apresentar análises contestando o mito de Chico Xavier.

Daí não ser estranho que o sobrinho do "médium" tenha sofrido ameaças de morte do "meio espírita" nem ter sido assassinado da forma como tais ameaças se deram, em 1961. A morte de Amauri mostra que, assim como Hollywood dizia que "os brutos também amam", os "amorosos espíritas" também odeiam e cometem brutalidades, em nome da blindagem a um ídolo religioso.

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