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Caso João de Deus é preparativo para novas denúncias sobre "médiuns"


As denúncias que, desde o fim de 2018, envolvem o "médium" goiano João Teixeira de Faria, o João de Deus, servem como um preparativo para futuros grandes escândalos que surgirão com novas e velhas denúncias envolvendo os bastidores do "movimento espírita" no Brasil.

As denúncias que começaram com acusações de assédio sexual, mas que depois revelaram outros crimes, como estupro, mandante de assassinatos, porte ilegal de arma, enriquecimento ilícito que inclui desvio de dinheiro da "caridade" e até tráfico de bebês. Alguns ainda estão sob investigação, mas outros já foram confirmados.

Consta-se que os escândalos de João de Deus remetem a crimes praticados desde 1974, quando o "médium" ainda estava no começo da carreira e era aprendiz de Francisco Cândido Xavier. Note-se que Abadiânia, em Goiás, é uma cidade próxima a Uberaba, em Minas Gerais, e apenas meia-hora de viagem separa os dois municípios.

João de Deus também é associado ao reacionarismo ideológico, tendo sido filiado ao DEM e defendido Sérgio Moro. A mídia direitista tentou associá-lo ao ex-presidente Lula, mas a alardeada "amizade" nunca foi mais do que uma formalidade, pois se ela fosse verdadeira, o "médium" em nenhum momento estaria apoiando Sérgio Moro, considerado algoz do petista.

Além disso, João de Deus é acusado de concentração abusiva de terra, pois possui uma fazenda com o tamanho de 18 Parques do Ibirapuera, um acinte em relação à extensão atual de Goiás, que perdeu parte de seu território para o Estado do Tocantins.

Outro aspecto é o charlatanismo. Tido como "curandeiro", seus métodos são duvidosos e marcados pela falta de higiene. Ele mais parece um truque de cortar o abdome de alguém e, supostamente, tirar um caroço que lembra o de um abacate, e que, aparentemente, só se dedica a curar câncer, mas é incapaz de, por exemplo, curar tetraplegia.

João de Deus teve um câncer poucos anos atrás e resolveu, em vez de fazer cirurgia espiritual em si mesmo, recorrer ao Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, para fazer cirurgia. Na época, João de Deus explicava a decisão com uma ironia: "Barbeiro corta o próprio cabelo?".

O "médium" acabou se colocando em posição vergonhosa, pois a História registra que, em 1961, o cirurgião russo Leonid Rogozov realizou, em condições dificílimas e perigosas, uma auto-cirurgia numa base da Antártida, só com dois ajudantes, um para segurar o espelho e outro para fornecer ferramentas, operação arriscada que foi bem sucedida.

LIÇÕES AMARGAS

O caso João de Deus é um preparativo para novos escândalos, que virão como uma avalanche. Embora o "movimento espírita" tenha afirmado, recentemente, que João de Deus não lhe faz parte, antes das denúncias a própria FEB o via como um possível sucessor de Divaldo Franco, "médium" que, em 2018, já estava com idade avançada de 91 anos.

Divaldo também foi denunciado por expressar pontos de vista reacionários nos últimos anos. Fez acusações levianas e sem fundamento contra refugiados do Oriente Médio, tidos como "reencarnação de colonizadores sanguinários". Defendeu Sérgio Moro, depois ministro de Jair Bolsonaro, como "enviado dos espíritos superiores", e, num evento "espírita" em Goiânia, o "médium" baiano ainda fez comentários contra a comunidade LGBTQ e o Partido dos Trabalhadores.

Nesse seminário "espírita", o mediador anunciou, com muita propriedade, a palavra "Pinga Fogo", referente ao programa da TV Tupi que entrevistou Chico Xavier, em 1971. Isso porque o mediador sabia dos comentários reacionários que Divaldo talvez tenha adiantado para ele, e são comparáveis ao anti-comunismo ferrenho do "médium" mineiro, que apoiou abertamente a ditadura militar.

Episódios assim desafiam os pensamentos desejosos daqueles que insistem em ver, nos "médiuns", uma imagem adocicada digna de contos de fadas. A imagem sorridente, em fotos mescladas com paisagens floridas, céu azul, e acompanhadas de frases retiradas de livros ou depoimentos, num apelo emocional carregado de muita pieguice.

É por causa desses apelos emocionais - que equivalem a uma das formas do perigoso mecanismo de manipulação das pessoas, o "bombardeio de amor", uma armadilha traiçoeira caraterizada por pretensos apelos de beleza e afetividade profundos - que as pessoas preferem ver os "médiuns" sempre associados a virtudes humanas, e que, quando envolvidos a erros, a responsabilidade vem somente de terceiros.

É aquela coisa. O "médium" só possui "decisão própria" quando seus atos são considerados positivos. Quando não, acredita-se que eles foram influenciados por "terceiros", foram obsediados ou foram manipulados pelos impulsos do momento. Nunca são responsabilizados pelos atos negativos.

O caso João de Deus, neste sentido, cometeu uma ruptura. O "médium dos famosos", um latifundiário que, sem motivo algum, levou fama de "progressista", passou a ser um dos primeiros que, depois da propaganda que, usando o método Malcolm Muggeridge de "santificação", blindou Chico Xavier no final dos anos 1970, passou a ser responsabilizado por seus erros, pois, antes de João de Deus, os "médiuns", quando erravam, é porque foram "coagidos" por outras pessoas, encarnadas ou não.

Aliás, essa atribuição de que os "médiuns", quando erram, é porque "foram influenciados por terceiros", vai contra a fama de pretensa maestria e firmeza espiritual dos "médiuns". Cria-se uma falácia dizendo que os "médiuns" são "testados" nessas circunstâncias, para garantir a "carteirada religiosa" que os faz ídolos entre o grande público.

Mas isso vai contra as atribuições de firmeza e sabedoria, porque, se os "médiuns" agiram sem saber, é porque eles não têm força espiritual alguma, e, se eles agiram sabendo, é porque eles são irresponsáveis. Desse modo, muitos erros de Chico Xavier derrubam de vez a tese de que ele possa ser considerado como alguém de considerável evolução espiritual, ainda mais como pretenso "espírito de luz".

É essa "sinuca de bico" que põe os "médiuns" em situação de xeque-mate, pois, se eles erram sem saber, é porque são medíocres e fracos, e, se eles erram sabendo, é porque são irresponsáveis. E, com o caso João de Deus, os "isentões espíritas" se apressam a apresentar Chico Xavier como "imperfeito", para garantir a blindagem a qualquer preço, fingindo condenar sua divinização mas ajudando a mantê-la sob outro contexto, num país em que o erro virou uma farra de tão banalizado.

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