Pular para o conteúdo principal

Chico Xavier e FEB apoiaram golpe de 1964 e ditadura militar



O "espiritismo" brasileiro, mesmo com seus recentes surtos reacionários dos últimos cinco anos, sempre carregou uma imagem "progressista", tendenciosamente construída por conta do envolvimento, em tese, dos "espíritas" com a suposta assistência ao povo pobre, que garante adoração aos chamados "médiuns", transformados em "sacerdotes" dessa estranha religião que traiu seu aparente precursor Allan Kardec.

Pois o "espiritismo" brasileiro sempre professou um conservadorismo que só de 2016 para cá passou a ser visto com surpresa pelos esquerdistas. Eles ficaram iludidos com o "espiritismo", embora essa religião nunca tenha sido jamais aliada dos movimentos de esquerda, tendo recorrido a ela só eventualmente através de uma respeitosa, porém fria, cordialidade.

É até estranho esse clima do tipo "nerd apaixonado pela cheerleader que o ignora" que faz os esquerdistas se sentirem fascinados pelo "espiritismo" brasileiro que nunca lhes apoiou em momento algum.

Mesmo a figura reacionária de Francisco Cândido Xavier, que compartilhava o mesmo medo da atriz Regina Duarte da ascensão política do antigo líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, era vista com uma certa fascinação, cega e fantasiosa, por setores do esquerdismo, tomados de muito pensamento desejoso.

Pois as esquerdas deveriam pensar que o "espiritismo" brasileiro sempre foi ultraconservador. A repentina decepção, sob a qual se fala de um fenômeno, supostamente "inédito", do "espiritismo de direita", ignora que o moralismo "espírita", que fala que os oprimidos deveriam aceitar desgraças sem reclamar da vida ou, então, sacrificar mais do que suas capacidades para vencer na vida, sempre foi ultraconservador.

O "espiritismo" brasileiro costuma culpabilizar a vítima, defender o trabalho exaustivo, criminalizar a individualidade e o prazer humano. O moralismo "espírita" trata o suicídio como algo mais grave que o homicídio, por vezes tolerado sob o pretexto de "reajustes morais" que supostamente teriam sido cumpridos pela vítima.

São pautas extremamente obscuras que estão por trás da embalagem agradável que a religião transmite ao chamado senso comum. E que se consagraram desde que Chico Xavier, no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, defendeu a ditadura, que segundo ele estava "construindo um reino de amor", e fez esse comentário do anti-esquerdismo mais hidrófobo, que desafia o pensamento desejoso dos iludidos que ainda sonham em ver suposto esquerdismo no "médium":

"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas, desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades. Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5, em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, seqüestros de embaixadores e mortes de inocentes".

Sim, a República do Proletariado era abominada por Chico Xavier, contrariando muito petista histérico que ainda aprecia o "médium" e que paga pelas consequências de tão contraditória postura. São declarações que desafiam o pensamento desejoso, e mesmo os "isentões espíritas" têm dificuldade para arrumar um argumento verossímil, pois não há como contradizer o fato de que Chico Xavier sempre foi um conservador.

BIÓGRAFO DE JOÃO GOULART CITOU "KARDECISTAS"

E uma das provas de que o "espiritismo" brasileiro era conservador foi o seu apoio ao golpe civil-militar de 1964. A "Federação Espírita Brasileira" está no livro do historiador Jorge Ferreira, também autor de uma biografia do ex-presidente João Goulart (derrubado pelo golpe). O livro de título longo, mas resumível em 1964: O golpe que derrubou um presidente, foi escrito por Ferreira juntamente com a colega Ângela de Castro Gomes.

No capítulo 23, "E o golpe virou revolução...", na página 378 do livro, é descrita a Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, uma passeata de religiosos conservadores liderados pelo católico irlandês Patrick Peyton, o "padre Peyton", que reuniu também outras religiões de elite, como setores da Igreja Católica conservadores, a religião evangélico-pentecostal Nova Vida e a FEB. A citação de "espíritas kardecistas" se dá em duas passagens:

"O que marcou a caminhada foram os grupos religiosos e, claro, as mulheres. Embora a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil não apoiasse oficialmente as Marchas, nada impedia que padres e bispos, por sua própria convicção pessoal, participassem do evento. Mas estiveram presentes também fiéis das igrejas protestantes, rabinos, espíritas kardecistas (sic) e umbandistas".

"Quando a Marcha chegou ao seu destino (Vale do Anhangabaú, em São Paulo), começaram os discursos. É importante observar quem foram os oradores. Houve líderes religiosos falando em nome dos espíritas kardecistas e da Comissão de Divulgação da Imagem de Iemanjá, além de um rabino, um pastor protestante e um representante da Igreja Romana Ortodoxa".

Nesta época, Chico Xavier já era um astro do "movimento espírita" e ele, pela sua formação conservadora e pelo seu moralismo punitivista, calcado na Teologia do Sofrimento - um moralismo retrógrado que quase ninguém percebe, por ser expresso sob uma retórica mais suave - , também teria apoiado o golpe que derrubou Jango, até porque ele descreveu essa postura golpista no Pinga Fogo, sete anos após a suposta "Revolução", como vimos acima.

O mais grave é que, quando Chico Xavier manifestou seu reacionarismo, duas pessoas chamavam a atenção por terem também defendido o golpe civil-militar de 1964 mas que se arrependeram dessa postura e em 1971 faziam oposição ao regime: Carlos Lacerda e Alceu Amoroso Lima.

Carlos Lacerda, jornalista fundador da Tribuna da Imprensa, ferrenho opositor de Getúlio Vargas (ele sobreviveu a um atentado sofrido em 1954, que matou um de seus guarda-costas, um major da Aeronáutica, Rubens Florentino Vaz) e ex-governador do Estado da Guanabara, foi um dos que mais defenderam o golpe de 1964, cobrando dos militares maior empenho na derrubada do governo Jango, o que fazia através de artigos, entrevistas e discursos na televisão.

No entanto, Carlos Lacerda se decepcionou quando seu maior propósito, que era um governo militar provisório que, depois, liberaria o Brasil para as eleições livres, deu lugar a uma ditadura permanente e tirou para sempre o sonho presidencial dele e de seu rival Juscelino Kubitschek. Ambos defenderam o golpe militar e, decepcionados, passaram para a oposição.

Lacerda e Kubitschek, portanto, se reconciliaram surpreendentemente - com um perdão de deixar os "espíritas" comendo poeira - e chegaram a conduzir um movimento de redemocratização, a Frente Ampla (1966-1968), que o autoritarismo militar mandou extinguir.

Já Alceu Amoroso Lima foi um católico tão ortodoxo quanto Chico Xavier e tão ligado à Teologia do Sofrimento. Lima foi discípulo de Jackson de Figueiredo, fundador do Centro Dom Vital. No entanto, as afinidades se encerraram totalmente na medida em que Chico se declarava "médium" e passava a professar o "espiritismo" brasileiro.

A partir daí, Alceu (conhecido pelo pseudônimo Tristão de Athayde) denunciou o livro Parnaso de Além-Túmulo como fraude coletiva feita pelos editores da FEB e pelo próprio Chico Xavier, o que fez os "espíritas" passarem a hostilizar os católicos ortodoxos numa celeuma que foi superestimada em favor do "movimento espírita" no Brasil.

Alceu defendeu o golpe civil-militar de 1964 tanto quanto Chico Xavier, mas depois passou para a oposição, desiludido com os abusos do arbítrio dos generais. Até o fim da vida, em 1983, Alceu Amoroso Lima passava a pregar a redemocratização do país, que ele não conseguiu viver para ser realizada. O ciclo democrático inaugurado em 1985 se encerrou em abril de 2016, dando lugar a um confuso e reacionário cenário político de cancelamento das conquistas populares históricas.

Ver que Chico Xavier continuou defendendo a ditadura militar em 1971 e que, em 1989, acolheu Fernando Collor de Mello em detrimento a Lula - contra o qual o "médium" sentiu um similar pavor comparável ao da atriz e ativista reacionária, Regina Duarte - e, no fim da vida, manifestava seu desejo em ver Aécio Neves presidindo o Brasil, é chocante para os esquerdistas.

Descontando internautas lunáticos, que medem a verdade pelo pensamento desejoso e por sua habilidade traiçoeira de manipular as palavras e persistir com argumentos falaciosos - são os "idiotas das redes sociais" que expressam a chamada pós-verdade - , os demais "espíritas" estão tendo que engolir a "descoberta" de um "espiritismo" reacionário, que sempre foi a tendência da FEB e de gente como Chico Xavier e Divaldo Franco.

Agora é preciso evitar que pensamentos desejosos - que surgem dentro do maniqueísmo forjado e falacioso de que a lógica dos fatos é terrena e o que é fantasioso e absurdo "tem validade" no mundo espiritual - venham a reinventar um falso esquerdismo de Chico Xavier, o único homem para o qual a fantasia prevalece sobre a realidade, e que até pouco tempo atrás foi alvo de interpretações levianamente sonhadoras e imaginárias. Temos que admitir que ele sempre foi reacionário, porque essa postura é comprovada por inúmeros fatos e contextos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Espiritismo, no Brasil, é reduzido a uma religião de louvor

O igrejismo com que foi tratado o Espiritismo, no Brasil, é muito mais grave do que se imagina e muito mais danoso do que se pode parecer. A catolicização, defendida sob o pretexto de que o Brasil expressa as tradições da religiosidade cristã, impossibilitou a compreensão correta da temática espírita, substituída por valores místicos e uma suposta fraternidade igrejeira que em nada resolve os conflitos humanos existentes. Tudo virou uma religião de mero louvor. Apesar das bajulações a Allan Kardec e da interpretação errada de suas ideias, seus ensinamentos nem de longe são sequer cumpridos e só eventualmente eles servem apenas para serem expostos de maneira distorcida e tendenciosa, de forma a temperar a vaidade explícita mas nunca assumida dos palestrantes e "médiuns". A adoração a Francisco Cândido Xavier, um sujeito de sórdida trajetória - ele se ascendeu às custas de pastiches literários lançados para provocar sensacionalismo - mas depois promovido a um semi-deus e...

Como explicar, no Brasil, a deturpação do Espiritismo?

A vexaminosa cobertura dos 150 anos de morte de Allan Kardec atentou para uma grande omissão de uma informação importante. A de que o Espiritismo, no Brasil, foi desenvolvido desviando-se dos ensinamentos originais do pedagogo francês. Nem mesmo a BBC Brasil, sucursal da estatal britânica que, na sua equipe brasileira, prima por escrever bons textos de informação abrangente e senso investigativo, se encorajou a cobrir a deturpação do Espiritismo, se limitando a fazer, na prática, um press release  da "Federação Espírita Brasileira". Até o termo "espiritismo à brasileira", que denomina a deturpação, foi apenas mencionado sem que seu significado fosse sequer citado vagamente. A imprensa brasileira, mesmo a de esquerda, praticamente age em silêncio, salvo raras exceções, quanto à deturpação do Espiritismo. Poucos têm a coragem de alertar que a chamada "catolicização do Espiritismo" não é um fenômeno acidental nem ele é resultante de uma "saudável i...

Com Espiritismo, brasileiros levam gato por lebre, sem saber

Nunca o Roustanguismo foi tão bem sucedido quanto no Brasil. O nome de Jean-Baptiste Roustaing, ou J. B. Roustaing, cujo sobrenome é considerado um palavrão por uma parcela do "movimento espírita", é desconhecido do grande público, mas seu legado foi dissolvido como açúcar em comida salgada e muitos acreditam que um roustanguismo repaginado é "espiritismo de verdade". Como o Roustanguismo teve no Brasil seu terreno mais fértil? Porque o igrejismo roustanguiano, apesar de oficialmente renegado na retórica "espírita", foi inteiramente seguido, descontado apenas alguns pontos incômodos, como os "criptógamos carnudos" (reencarnação humana em forma de animais, plantas ou vermes) e o "Jesus fluídico" (tese de que Jesus de Nazaré nunca passou de um fantasma "materializado")? Os brasileiros não gostam de serem informados de que o Espiritismo que aqui existe é deturpado e comete desvios doutrinários em relação à doutrina francesa...