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"Isentões espíritas" não se interessam pela fidelidade à Doutrina Espírita


FALSO EQUILÍBRIO ENTRE VERDADE E MENTIRA.

Não nos deixemos iludir com o discurso "equilibrado" que os "isentões do Espiritismo" disparam nas redes sociais, sob a desculpa de tornar o debate sobre a deturpação espírita "mais imparcial". Apesar dos apelos do tipo "tem que ouvir o outro lado", "tem que verificar melhor se a psicografia não teria também indícios de autenticidade", essas falácias só servem para abafar o debate, encerrar discussões em pontos nebulosos que incomodam os "isentões".

O discurso dos "isentões" é sempre feito para paralizar discussões. Eles falam da "necessidade de conhecer o outro lado" não porque realmente defendem essa necessidade, mas porque eles adotam um discurso de "neutralidade" para deixar tudo como está. Como muitos problemas são complexos, eles têm medo de que o avanço dos debates possa pôr em risco paradigmas e totens consagrados.

Observando bem o que vários desses "isentões" escrevem, muitas vezes caprichando no aparato "racional" de seus discursos - nos blogs, por exemplo, eles tentam criar arremedos de monografias, com referências bibliográficas e tudo, conforme manda o "figurino" (leia-se ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas) - , eles não estão interessados no verdadeiro rigor do respeito absoluto à Doutrina Espírita.

No discurso, como os "isentões" tentam parecer corretos, seja "assumindo a imperfeição humana", seja "defendendo a lógica e o bom senso", eles, em tese, dizem "favoráveis ao respeito rigoroso aos ensinamentos espíritas". Chegam a dizer, em primeiro momento, que "é claro que Allan Kardec merece ser respeitado e honrado, pelo trabalho pioneiro e duro que ele fez".

Mas, depois, vão logo fazendo restrições. "Kardec comete exageros na sua cobrança à lógica e ao bom senso", "o Espiritismo francês peca por excesso de ciência", "não me soa bem essa overdose de lógica dos livros de Allan Kardec", "acho que falta um equilíbrio entre Fé e Ciência, Razão e Emoção, no Espiritismo original da França".

É aí que a máscara dos "isentões" cai. Eles adotam um discurso de pretenso equilíbrio, de falsa imparcialidade, para deixar tudo como está. Como todo debate sempre visa um sentido determinado para uma questão, os "isentões espíritas" ficam com medo e o que seu discurso quer dizer, na verdade, é que eles estão muito inseguros e medrosos diante do avanço dos debates.

O discurso deles é sempre um "puxa para trás". Querem que o Espiritismo, no Brasil, esteja associado a um pretenso equilíbrio entre o cientificismo da doutrina original e a forma catolicizada que prevalece no Brasil. É aquele papo: "você precisa verificar primeiro se o joio está realmente fazendo mal ao trigo, antes de realizar qualquer separação".

Nem sempre um discurso de "neutralidade" é realmente objetivo. Em muitos casos, como no julgamento de criminosos a cobertura "neutra" pode sugerir complacência com o crime, quando inexiste qualquer avaliação crítica (não se está falando de baixarias vingativas dos programas policialescos, mas a informação de que o criminoso representa, um exemplo negativo para a sociedade).

Questiona-se, no jornalismo em geral, a adoção de abordagens "neutras", porque em muitos casos a "neutralidade" pode ser um aparato para posições bem mais tendenciosas do que aquelas tomadas pela aparente subjetividade de um jornalista. Isso porque, em muitos casos, uma postura "subjetiva" pode estar mais de acordo com o interesse público e os direitos humanos do que uma abordagem supostamente "neutra".

Já se reconhece que mesmo textos opinativos de jornalismo podem, às vezes, soarem mais objetivos e de acordo com o interesse público e as finalidades sociais do que textos que parecem insossos de tão "neutros" e "imparciais". A "imparcialidade" do lobo com a ovelha, que supostamente apela para a harmonia entre ambos, acaba sendo prejudicial para os ovinos, a serem devorados por seu predador.

Além disso, no caso do Espiritismo, sobretudo na forma deturpada que se trabalha no Brasil, as obras "mediúnicas" são explicitamente fake - apesar de não haver qualquer reconhecimento oficial neste sentido - , inclusive as do "renomado" Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier, que comprovadamente apresentam problemas muito graves que afastam qualquer tipo de hipótese delas serem autênticas.

Diante disso, os "isentões espíritas", apavorados em ver ruir o mito de Chico Xavier, reagem com seu verniz de objetividade, sobretudo apostando na ilusão de que as semelhanças garantem ou trazem indícios de autenticidade.

Sabemos que semelhanças não garantem autenticidade. Existe uma lógica filosófica na qual a intenção do falso é parecer verdadeiro. Uma falsificação se sustenta justamente na tentativa de apresentar o maior número possível de semelhanças em relação ao produto original. Se for pela tese dos "isentões", qualquer falsificação é verdadeira ou sujeita à autenticação. Mas existe um ponto no qual surge uma diferença comprometedora, por menor que seja, e é aí que se vê a falsidade.

Um texto do escritor Jorge Caetano Júnior, um "isentão" típico que defende Chico Xavier sem se considerar "espírita", investe no absurdo de dizer que o poema "A Terra", atribuído ao espírito de Casimiro de Abreu, é exemplo de "autenticidade autoral". O escritor, que comete a besteira de "reivindicar" autenticidade a Parnaso de Além-Túmulo, que apresenta evidentes indícios de fraudes, só reproduziu duas primeiras estrofes do poema "espiritual", abaixo reproduzido na íntegra:

A Terra - Francisco Cândido Xavier, atribuído ao espírito de Casimiro de Abreu

Aos pessimistas 

Se há noite escura na Terra, 
Onde rugem tempestades, 
Se há tristezas, se há saudades, 
Amargura e dissabor, 
Também há dias dourados 
De sol e de melodias,

Esperanças e alegrias, 
Canções de eterno fulgor! 
A Terra é um mundo ditoso, 
Um paraíso de amores, 
Jardim de risos e flores 
Rolando no céu azul. 
Um hino de força e vida 
Palpita em suas entranhas, 
Retumba pelas montanhas, 
Ecoa de Norte a Sul. 

Os sonhos da mocidade, 
As galas da Natureza, 
Livro de excelsa beleza 
Com páginas de esplendor, 
Onde as histórias são cantos 
De gárrulos passarinhos, 
Onde as gravuras são ninhos 
Estampados no verdor; 

Onde há reis que são poetas, 
E trovadores alados, 
Heróis ternos, namorados, 
Gargantas de ouro a cantar, 
Saudando a aurora que surge 
Como ninfa luminosa, 
A olhar-se toda orgulhosa 
No espelho do grande mar! 

Onde as princesas são flores, 
Que se beijam luzidias, 
Perfumando as pradarias
Com seu hálito de amor; 
Desabrochando às centenas, 
Na estrada onde o homem passa, 
Oferecendo-lhe graça, 
Sorrindo, cheias de olor. 

O dia todo é alvorada 
De doces encantamentos; 
A noite, deslumbramentos 
Da Lua, em seus brancos véus! 
A tarde oscula as estrelas, 
Os astros o Sol-nascente, 
O Sol o prado ridente, 
O prado perfuma os céus!... 

Quem vive num éden desses, 
É sempre risonho e forte, 
Jamais almeja que a morte 
Na vida o venha tragar; 
Sabe encontrar a ventura 
Nesse jardim de pujanças, 
E enche-se de esperanças 
Para sofrer e lutar. 

Se há noite escura na Terra, 
Abarrotada de dores, 
De lágrimas e amargores, 
De triste e rude carpir, 
Também há dias dourados 
De juventude e esplendores, 
De aromas, risos e flores, 
De áureos sonhos no porvir!...

Notem os dois últimos versos da penúltima estrofe: "E enche-se de esperanças / Para sofrer e lutar". Isso, evidentemente, NÃO é Casimiro de Abreu, é uma opinião pessoal de Chico Xavier, que, malandramente, tenta colocar no crédito de espíritos mortos sua opção individual pela Teologia do Sofrimento.

Há uma interpretação equivocada de que os poetas ultrarromânticos gostavam de sofrer. Não, eles nunca gostaram. O sofrimento era narrado como um desabafo, um protesto, e a expressão poética expunha essa dramaticidade.

É falso que Casimiro de Abreu visse o sofrimento humano como "motivo de esperança". Além disso, o poema soa como um pastiche, com uma estrutura poética que era mais típica em Castro Alves, embora existisse na obra do poeta fluminense.

Em todo caso, o poema mostra o quanto semelhanças superficiais, ainda que frequentes, entre uma obra autêntica e outra fake, não trazem indício de autenticidade. O trecho comprometedor, que impossibilita que o pensamento desejoso de Jorge Caetano Júnior tenha realizado seu "sonho" de ver uma obra irregular ser considerada "autêntica", em prol do prestígio religioso de Chico Xavier, revela o quanto aspectos falsos podem ser sutis, mas são sempre decisivos para derrubar a legitimidade de um trabalho.

Esse é um exemplo de como os "isentões espíritas", considerados "adeptos" ou "não-adeptos" do "espiritismo" igrejista brasileiro, podem agir, com seu discurso que parece bastante objetivo e lógico, mas que não garante o verdadeiro equilíbrio, que é aceitar unicamente a essência original do Espiritismo francês e rejeitar, severamente, a deturpação que tem em Chico Xavier seu símbolo.

E para quem pensa que rejeitar Chico Xavier é "ofensivo", devemos nos lembrar das lições da obra kardeciana, à qual se recomendava o repúdio rigoroso e firme aos deturpadores da Doutrina Espírita, mesmo aqueles que apresentem os mais belos apelos e evocações "em nome da fraternidade, do amor e da caridade". Os "isentões" terão coragem de dizer que essa lição está errada?

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