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O "fiado espírita" e o "estelionato moral"



Dois aspectos negativos são observados pelo moralismo do "espiritismo" brasileiro, que oficialmente não se conhece. São o "fiado espírita" e o "estelionato moral", que mostram o nível do moralismo punitivista que a doutrina de raiz roustanguista que prevalece no Brasil promove, sem que seus seguidores consigam ter a menor ideia disso.

O "fiado espírita" consiste na atribuição de que pessoas podem cometer crimes e faltas graves em suas vidas e poderão sair impunes ou suavemente punidos durante toda a encarnação, porque só poderão sofrer as consequências na próxima encarnação. É uma "moratória" na qual se supõe, dentro da perspectiva criminalista da reencarnação, que o responsável por erros abusivos sirva de "instrumento" para as desgraças que se acumulam, sem controle, na vida dos oprimidos.

A medida é sutilmente defendida pelos pregadores "espíritas", que sempre pedem aos oprimidos aceitarem os abusos dos agressores, "perdoando-os" (dentro daquela ideia equivocada do perdão como sinônimo de permissividade), dentro dos valores "misericordiosos" da Teologia do Sofrimento, defendida por Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier.

Esse moralismo, do qual Chico Xavier tornou-se o maior pregador, se baseia na encarnação humana como uma sentença criminal, na qual a pessoa nasceu para sofrer e pagar por faltas passadas. É a ideia do "pecado original" adaptada pelo "espiritismo" brasileiro, de raiz roustanguista.

Desse modo, quem comete abusos e põe seu egoísmo acima de tudo está poupado de sofrer consequências drásticas na encarnação presente, quando muito só sofrendo os primeiros infortúnios na velhice. O abusador de toda espécie, do gozador da escola ao assassino, são vistos como "justiceiros morais", com as suas vítimas sendo colocadas na posição de "culpadas". A culpabilização da vítima, apoiada pelo "espiritismo" brasileiro, é uma prova de seu rígido conservadorismo.

Com isso, aqueles que cometem crimes e delitos e agem em prejuízo a outrem são beneficiados pela tese do "fiado espírita", do qual se acredita que os faltosos da encarnação presente só serão punidos, para valer, na próxima encarnação.

Por outro lado, os oprimidos que acumulam desgraças sem controle têm que aguentar tudo até que um dia possam ser compensados com alguma bonança, geralmente tardia e conseguida, quando muito, no fim da vida. Não adianta arrependimento para abreviar a desgraça, são inúteis orações para afastar tais infortúnios. Essa é a tese do "estelionato moral", pois, como o estelionato, existe a cobrança de sacrifícios acima das condições que uma pessoa possa suportar.

O pretexto é que as injustiças sejam permissíveis para que na próxima encarnação apareçam coisas melhores. É uma pressa materialista em aguentar coisas piores primeiro, para depois enfrentar realidades mais brandas.

O problema é que a encarnação posterior é ainda um mistério e a pessoa que perdeu suas oportunidades pelo infortúnio repentino ou pela tragédia prematura não sabe se terá as mesmas condições de fazer o que planejou fazer. Terá que mudar tudo e recomeçar do zero, e mesmo um trabalho incompleto deixado numa encarnação não pode ser continuado na encarnação seguinte, porque o reencarnado usará a roupagem de uma outra pessoa.

Esse é um dos problemas que existem e podem fazer complicar e adiar a evolução espiritual. Em muitos casos, uma tragédia prematura causa prejuízos enormes nos entes queridos que ficam, ainda mais quando é causada por assassinato. Enquanto isso, os abusadores ou opressores, na medida em que não são devidamente punidos, se tornam "modelos de sucesso" para praticantes dos mesmos delitos ou crimes, inspirando novos seguidores.

É por isso que o ódio acaba prevalecendo no Brasil, porque há a vida prolongada e sem grandes prejuízos de abusadores e algozes. Por outro lado, pessoas de personalidade mais diferenciada e que deveria contribuir positivamente para a humanidade acabam morrendo cedo ou sendo desacreditadas e hostilizadas, por não terem condições para se destacarem ou continuarem esse trabalho. As injustiças acabam prevalecendo, nesse moralismo confuso apoiado por "espíritas".

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