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O problema da adoração "saudável" aos "médiuns falíveis"



Virou tendência, nos últimos tempos, dizer que os chamados "médiuns espíritas" devam ser admirados de forma "saudável", dentro do que definem como "limites de suas imperfeições". Os "médiuns" agora não têm mais "superpoderes", não são "salvadores da pátria" nem "semi-deuses", mas "criaturas humanas, imperfeitas e falíveis", passíveis de "cair e cometer erros".

Essa tendência é difundida sobretudo pelos "isentões espíritas", pessoas que se gabam em defender um suposto equilíbrio, o "equilíbrio do joio e do trigo", uma tendência que está muito de acordo com o cenário social e político em que vivemos, com a banalização do erro trazida tanto pelas redes sociais quanto pelo cenário político de Jair Bolsonaro, seus ministros, filhos e aliados.

Essa tendência da banalização do erro parece uma solução que, supostamente, expressaria autocrítica e humildade nas pessoas, mas é, na verdade, uma "carteirada por baixo", pois a ilusão de que basta alguém admitir, em tese, seus erros e imperfeições, disparando refrões como "eu sou o que mais erro na vida" ou "quem nunca errou na vida?", para soar "mais humano" esconde, na verdade, sentimentos de dissimulação e medo de enfrentar as consequências.

Nunca o Brasil havia mergulhado antes em oceanos de pretensiosismo, produzindo tsunamis de falsa modéstia. As pessoas, nos últimos tempos, estão admitindo "imperfeições", mas nunca assumem as consequências de seus erros, em muitos casos se irritando diante da menor crítica e usando apenas a "capacidade de cometer erros" como senha para evitar serem punidos por esses atos. Se "todo mundo erra", então ninguém precisa ser punido por esse ato "normal", não é mesmo?

É essa a ideia que, trazida para o "espiritismo" brasileiro, anda blindando os "médiuns" depois que o escândalo do goiano João Teixeira de Faria, o João de Deus, veio à tona. Diante da impossibilidade de adoração "divinizatória" aos ditos "médiuns", o que se prega agora é a adoração supostamente "moderada", que os partidários de Francisco Cândido Xavier afirmam ser "somente uma admiração saudável a figuras humanas dentro do limite de suas imperfeições".

Essa tendência fala que, em tese, é necessário "tirar os médiuns dos pedestais" e "admirá-los como figuras humanas e simples", e seu discurso apela para uma adoração "equilibrada", o que dá a falsa impressão de que a antiga idolatria deu lugar a um sentimento mais realista de admiração e apreço. Mas isso causa muitos problemas.

O PROBLEMA ESTÁ NA PRÓPRIA ADMIRAÇÃO

A adoração a Chico Xavier já é um problema por si mesmo, fosse ele visto como um "semi-deus" ou alguém dotado de poderes especiais ou, por outro lado, como um "homem humilde" dotado de imperfeições e sujeito a falhas.

Isso porque a trajetória de Chico Xavier revela, comprovadamente, erros da mais extrema gravidade. Só o fato dele deturpar os ensinamentos originais da Doutrina dos Espíritos. Os livros do "médium" apresentam sérios desvios doutrinários, já alertados com antecedência pelo próprio Allan Kardec, dos quais se destacam:

1) O conteúdo catolicizado que traz mistificação e não esclarecimento quanto à temática espírita;

2) Linguagem empolada para dar um verniz "erudito" a essa mistificação;

3) Uso de nomes ilustres (espíritos de escritores mortos) para causar impressão pública e forçar os leitores a aderir à mistificação igrejista;

4) Descrição do mundo espiritual conforme conceitos fantasiosos e sem fundamento científico, como a "cidade espiritual" de Nosso Lar;

5) Pretensão de determinar acontecimentos futuros, com datas pré-determinadas, que Kardec definiu como prática de espíritos inferiores e zombeteiros;

6) Influência de espíritos de conduta autoritária, como Emmanuel, que Kardec definiu como espíritos de baixa evolução espiritual, portanto considerados bastante inferiores;

7) Uso da caridade como artifício para forçar o apoio público à mistificação igrejeira.

Não são erros pequenos. São crimes de responsabilidade, que deveriam desmerecer praticamente TODA a admiração que se dá a Chico Xavier. A menor admiração já é desmerecida. Afinal, esses erros não são coisas pequenas, que devem ser esquecidas ou "perdoadas" - no sentido da permissividade, do tipo "você errou, mas pode ir adiante" - na medida do simplório cair-e-levantar, porque são coisas gravíssimas.

São erros que haviam sido advertidos com décadas de antecedência, com alertas explicitamente claros e concisos, para que ninguém tivesse dúvida que aquele que cometer tais erros seria considerado deturpador e INIMIGO INTERNO do Espiritismo. Não são coisas que possam manter, mesmo em sonhos, Chico Xavier reabilitado para a recuperação das bases doutrinárias.

O grande problema da "admiração saudável" é que se vê apenas a falha do outro lado. É um problema de linguagem, afinal se mostra a falha da imagem "divinizada" do idolatrado, mas não se vê a falha da própria "admiração saudável" ao "médium", que é um problema em si mesmo, e dos mais graves.

Afinal, mesmo com a admissão de que "Chico Xavier errou muito na vida", há ainda "restos" da abordagem "divinizatória". Sua literatura é "brilhante", sua figura é "gloriosa", sua trajetória é "belíssima", sua pessoa é "inesquecível" e "saudosa", pretensas luzes que a treva da falsa modéstia tenta criar véu e que fazem da "admiração saudável" uma grande e vergonhosa hipocrisia.

SENTIDO DETURPADO DA FUNÇÃO DE MÉDIUM

Essa "admiração saudável" ainda mantém a imagem mitificada que deturpou, no Brasil, o sentido de "médium", que nos tempos da Codificação eram figuras anônimas, meros prestadores de serviços, e eram pessoas praticamente conhecidas apenas pelo sobrenome, de tão discretas que eram. E, a elas, não havia o menor grau de idolatria que se dá aos supostos similares brasileiros.

Há muito mal-entendido na questão da mediunidade. Primeiro, a função do médium não devia ser entendida necessariamente como aquele que fala com mortos. Quem fala com mortos é paranormal, vidente. Médium é aquele que transmite aos vivos as mensagens trazidas pelos mortos ou vice-versa.

Além disso, o médium tem função intermediária, não correspondendo a um por cento sequer da celebridade que os ditos "médiuns" brasileiros ganham da sociedade. Infelizmente, os "médiuns" do Brasil não assumem mais essa função, preferindo o estrelato, vivendo do culto à personalidade, viraram o centro das atenções.

Os "médiuns" passaram a ser dublês de pensadores, conselheiros, filantropos, pacifistas, sem desempenhar realmente tais atribuições. Pior: com exagero, atribuem-se a eles qualidades fantásticas, como superestimar sua relativa "paranormalidade" e associar a eles falsas atribuições que vão de filósofos a revolucionários. Alguns "espíritas" que se dizem de esquerda, ignorando o fato de Chico Xavier ter sido um direitista convicto, o definiram, delirantemente, como um "marxista".

"ADORAÇÃO MODERADA" NÃO RESOLVE O PROBLEMA

Portanto, essa "admiração saudável" ou "adoração moderada", que, em tese, reconhece a figura do "médium", a partir do próprio Chico Xavier, como pessoa "imperfeita e falível", não resolve os problemas acerca dos defeitos e erros graves trazidos por eles. Essa "admiração" só faz piorar a situação.

Sem dúvida alguma, "divinizar" os "médiuns" é altamente problemático, pois o risco de fanatismo e cegueira emocional é muito grande. Torna-se um sentimento obsessivo no qual a subjugação se torna uma grande ameaça, pois as pessoas acabam perdendo a noção da realidade e, no caso de serem juízes ou acadêmicos, é só aparecer a palavra "Chico Xavier" para travar qualquer tipo de análise contestatória.

Mas mesmo a "admiração saudável", que parece "equilibrada" e "realista", está sujeita à sentimentos obsessivos. Ela é motivada por uma mal-disfarçada fascinação obsessiva, e, mesmo aceitando a tese das "imperfeições", ela se motiva em parte pela imagem fantasiosa e idealizadora do "médium", sobretudo por supostos atos de caridade e supostas campanhas pacifistas.

Ela não resolve o problema porque a idolatria continua, a admiração a Chico Xavier - que é TOTALMENTE DESMERECIDA - mantém paradigmas de adoração cega, apegada e obsessiva, mesmo num aparato de suposto realismo e suposta racionalidade.

Afinal, como deturpador grave dos ensinamentos espíritas, Chico Xavier não merece um por cento de sua admiração, por conta de tantas desonestidades e posturas negativas que assumiu, que são de uma gravidade que a "carteirada religiosa" não pode minimizar.

Aliás, isso se torna ainda mais grave, porque, produzir "psicografia" de valor duvidoso - com fartas provas de irregularidades - , trazer ideias moralistas medievais, fundamentadas na Teologia do Sofrimento e glamourizar a tragédia humana são erros gravíssimos, de efeitos nefastos e danosos para a sociedade, e, portanto, não podem ser amenizados pelo verniz do Cristianismo, mas, em vez disso, considerados uma covardia, pois Jesus Cristo acaba sendo usado para acobertar esses erros.

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