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Pretensas psicografias subestimam inteligência dos brasileiros



Vamos parar para pensar um pouco e deixar de lado adorações e fantasias que a permissividade da fé religiosa estimula como um "universo paralelo" em que os devaneios se colocam acima dos fatos e do realismo da lógica.

Deixemos de lado as paixões religiosas que "santificam" arrivistas, tomam como "progressista" um moralismo ultraconservador e "trocam" os órgãos para atividades humanas, atribuindo o ato de pensar ao coração e o ato de ouvir aos olhos. Deixemos de lado essa "idiotia autorizada" que ocorre sob a máscara da fé.

Lembrando do Espiritismo francês de Allan Kardec, nos informamos que ele havia estudado, de maneira bastante crítica, o recreio das "tábuas Ouija" e das "mesas girantes", fenômenos que ocorreram na França do Século XIX. A paranormalidade era um fenômeno incipiente, e não raro era pretexto de muitos farsantes para iludir as pessoas e ganhar dinheiro com isso.

Kardec também foi aos EUA, pagando as passagens com o dinheiro do próprio salário de professor, e pesquisou os supostos fenômenos paranormais das irmãs Fox, Katherine, Leah e Margareth. Depois da morte de Allan Kardec, o inglês Arthur Conan Doyle, escritor que criou o detetive Sherlock Holmes, se interessou, ainda que de forma imperfeita, pelos fenômenos paranormais.

Vamos parar um pouco e refletir. Os fenômenos paranormais eram considerados enigmas no mundo desenvolvido. O contato com os mortos ainda era uma coisa cheia de mistério, cheia de enigma. Uma sociedade esclarecida começava a conhecer o assunto e sua compreensão era muito falha, embora iniciante e, em muitos casos, esforçada. Mesmo as imperfeições de Doyle não eram indignas, pois seu esforço em entender o tema era muito, muito iniciante.

Isso quer dizer que o Brasil se encontrava, como também se encontra até hoje - ainda mais num cenário catastrófico que mais parece uma versão tragicômica da Alemanha nazista - , numa situação ainda pior do que a do Velho Mundo.

Infelizmente, porém, o Brasil supôs que "descobriu" os segredos da paranormalidade e "fechou" o assunto com as espetaculares "obras mediúnicas" que, de tão irregulares, precisam de algum pretexto "filantrópico" para serem tidas como "legítimas", caprichando nas "lindas mensagens de conteúdo cristão" para obterem algum respaldo da sociedade.

Nos tornamos uns idiotas. Afinal, não questionamos nem duvidamos de coisa alguma que se apresente como "mediunidade" e aceitamos tudo que tivesse qualquer mensagem que soasse agradável e falasse de Jesus Cristo. Nem os alertas de Allan Kardec sob o perigo dessas mensagens "maravilhosas", feitos com muita frequência e antecedência, foram ouvidos.

IGNORÂNCIA É TERRENO FÉRTIL PARA A FRAUDE

O Brasil deveria se envergonhar da idolatria feita a Francisco Cândido Xavier, um pretenso médium que só virou "ídolo religioso" por conta de um engenhoso e muito bem articulado discurso persuasivo, bem à maneira das campanhas publicitárias que a todo momento são despejadas, em frequência hipnótica, nos meios de comunicação.

Afinal, Chico Xavier só virou "espírito de luz" num discurso que, nos últimos 40 anos, promove a imagem oficial do "médium", originalmente como uma cortina de fumaça para abafar a indignação social contra a ditadura militar - apoiada pelo próprio "médium" - e, mais tarde, como um ídolo feito nos mesmos moldes que Malcolm Muggeridge fez em prol de Madre Teresa de Calcutá, religiosa depois denunciada por maus tratos a pessoas humildes acolhidas por ela e por desvio de dinheiro.

Chico Xavier passou a ser adorado por antecipação aos disparos de fake news que elegeram Jair Bolsonaro. Bolsonaro, outro arrivista, é muito comparado a Chico Xavier na forma como se ascendeu na vida, driblando encrencas após atos de profundo oportunismo, como foram o embuste literário Parnaso de Além-Túmulo em 1932 e o plano de um atentado terrorista em 1987.

Essas propagandas, que parecem uma aplicação do que o publicitário nazista Josef Göebbels, com perversa inteligência, afirmava ("Toda mentira veiculada mil vezes se transforma em verdade"), fizeram glorificar Chico Xavier, fazendo-nos esquecer até que sua obra literária é uma coleção vergonhosa e preocupante de desvios gravíssimos em relação aos ensinamentos espíritas originais.

É só ler os livros de Chico Xavier. Eles são aberrantes acintes aos postulados espíritas, e isso não é invencionice. Aspectos contrários aos ensinamentos kardecianos são observados, incluindo determinação de datas precisas para acontecimentos futuros, textos rebuscados (empolados), uso de nomes ilustres (autores mortos) para promover mistificação etc. Até a ideia do Brasil ser considerado "coração do mundo e pátria do Evangelho" seria refutada de imediato por Kardec.

A ignorância da sociedade em torno dos assuntos da paranormalidade é muito profunda e pior do que nossos amigos da Europa e dos EUA. Se o tema lá fora ainda é cercado de enigmas insolúveis, é impossível dizer que esses enigmas "se resolveram" ou "estão perto de serem resolvidos" no Brasil. Foi essa ignorância o terreno fértil para a farra sensacionalista que se observa hoje sob o rótulo de "mediunidade" e da qual Chico Xavier foi um perigoso precursor.

CARTEIRADA RELIGIOSA

Essas "psicografias" são aceitas sem qualquer fundamento teórico nem científico. Basta a "psicografia" carregar "mensagens lindas e cristãs" e usar como pretexto a "caridade" para elas serem aceitas até por juristas dotados de algum conhecimento de Direito e da lógica humana, mas possuem ainda pontos fracos que os deixam cair em certas armadilhas.

Só que observações e leituras mais cautelosas mostram que essas obras "mediúnicas" sempre apresentam falhas, muitas delas preocupantes, em relação aos aspectos pessoais, dos estilos de escrita às caligrafias usadas nas assinaturas, dos autores mortos alegados.

Para piorar, o deslumbramento que as paixões religiosas provocam, através do apelo traiçoeiro do "bombardeio de amor" (love bombing), que simula demonstrações profundas de beleza e afeição visando dominar as pessoas, impede que se desconfie das "psicografias", ainda mais quando há a "carteirada religiosa" que envolve Chico Xavier.

Recentemente, quando essas irregularidades são amplamente difundidas na Internet, as pessoas adotam um deslumbramento mais disfarçado. Apelam agora por uma idolatria mais dissimulada, um "endeusamento pelo avesso" no qual admitem que Chico Xavier e semelhantes "erraram muito", mas não abrem mão dessa idolatria. Estufam seus peitos e, apegados pela fascinação obsessiva, alegam que "é necessário admirar os médiuns como pessoas bondosas, mas falíveis e imperfeitas".

Essa desculpa não resolve o problema do fanatismo e da divinização anteriormente assumidos. Até piora as coisas, transformando o que se conhece como Espiritismo em um "vale-tudo" no qual se pode errar demais, e de maneira preocupante, mas é só dar um cobertor a um mendigo ou um prato de sopa a um pobre órfão que está tudo bem.

Afinal, isso, em vez de representar uma consciência real do erro, é mais um artifício para evitar as punições consequentes. O Brasil tem uma reação desigual aos erros humanos, criminalizando erros leves e relativizando a gravidade de outros erros e até crimes, sempre usando como medida o nível de prestígio social de quem erra.

A "mediunidade" virou uma farra que contraria frontalmente o Conselho Universal do Ensino dos Espíritos (C. U. E. E.), o qual, diz o anedotário popular, os "espíritas" brasileiros só entenderam as duas primeiras letras da sigla. Em vez de se verificar uma mensagem de um morto através de médiuns distantes e indiferentes entre si, aceita-se que uma suposta psicografia, vinda de um pretenso médium, seja veiculada e aceita por parecer "agradável e consoladora".

Com isso, o Brasil se idiotiza e se mediocriza cada vez mais. E, quando pede para que "admiremos os médiuns dentro do limite de suas imperfeições", não estamos sendo "gente como a gente", mas demonstrando complacência ao erro e transformando o Espiritismo numa religião medíocre e vergonhosa, bem de acordo aos valores rasteiros e ao "complexo de vira-lata" que tanto faz do nosso país uma nação conformada com os retrocessos e limitações que aqui ocorrem.

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