Diferente da embalagem bastante atraente, modesta e pretensamente moderna, o que se conhece como Espiritismo no Brasil tem, na verdade, um conteúdo extremamente lamentável. E, por incrível que pareça, em praticamente todos os aspectos.
A doutrina igrejeira se afastou dos postulados kardecianos originais, trocando-os pela Teologia do Sofrimento, corrente do Catolicismo medieval. E isso influi bastante na moral "espírita" que se adota no Brasil, bastante retrógrada e extremamente severa e cruel.
Esse moralismo consiste em pedir a quem sofre e acumula desgraças a aceitar tudo com resignação, ou então se sacrificar acima dos limites para obter uma compensação menor e abaixo do esperado. As recomendações sempre vão para pedir para que ninguém reclame, ninguém questione e até para orar se deve fazê-lo em silêncio.
Isso é bom? Não, não é. E quem imagina que esse moralismo é herdado das chamadas "filosofias orientais", sobretudo a tese macabra do "inimigo de si mesmo", tem que admitir que, se assim o for, é de correntes orientais que nem são assim tão brilhantes como se imagina. E esse moralismo se encaixa muito no Catolicismo medieval, que também abraçou tais teorias sobre o sofrimento a ponto de criar a sua Teologia do Sofrimento.
A Teologia do Sofrimento foi popularizada por Francisco Cândido Xavier. É curioso que Chico Xavier tenha sido um devoto ainda mais entusiasmado da Teologia do Sofrimento do que qualquer católico de crachá e batina. A obra toda de Chico Xavier é inteiramente voltada à Teologia do Sofrimento, sem tirar nem pôr, e as pessoas ainda causam estranheza nisso, iludidas com o verniz de modernidade que o "espiritismo" brasileiro usa para disfarçar seu conteúdo medieval.
A desculpa que se usa é que, ao aceitar o sofrimento extremo, o infortunado estaria fazendo da encarnação um cumprimento de "dívidas passadas" que lhe dará "bênçãos futuras". A encarnação se torna algo próximo a um misto de serviço militar com sentença criminal: as pessoas que sofrem demais serão "premiadas" no futuro, mesmo quando interrompem, na encarnação presente, valorosos projetos de vida, seja pelo infortúnio ou pelas tragédias precoces.
NENHUMA AJUDA
Ver que o "espiritismo" brasileiro adota essa postura lamentável, de apologia ao sofrimento humano, glamourizando a tragédia e se promovendo às custas da desgraça alheia através de estórias de "fé e superação", é chocante. Sobretudo pela propaganda enganosa que faz prevalecer uma imagem fantasiosa do que se entende como Espiritismo no Brasil, um mundo de cor e fantasia travestido de um pretenso acúmulo de virtudes humanas diversas.
Mas essa postura, embora seja eventualmente dissimulada aqui e ali, é perversa. O moralismo retrógrado que cobra sacrifícios para quem não tem, e que mostra o lado cínico das pessoas que estão bem na vida e que, por exemplo, dizem para os desempregados procurarem emprego, como se fosse fácil ir a uma agência de emprego, vestindo roupa qualquer nota, e pedir trabalho.
Ah, que moralismo preguiçoso, um moralismo dos que estufam o peito e, sentados no seu sofá, pedem para outros se sacrificarem, "meterem a cara", "darem murro em ponta de faca". Bebendo seu vinho ou lendo seu jornaleco do dia, esses moralistas cobram dos outros o que eles não são possibilitados a fazer, porque, para se arrumar emprego hoje em dia, é preciso um curso de encenação e vestuário bem mais complicado, além de normas de etiqueta das mais enredadas.
Em muitos casos, só para ir a uma entrevista de emprego, é necessário cursar teatro, etiqueta, comprar boas roupas, pesquisar sobre moda, ver novelas e humorísticos de televisão etc. Porque o mercado de trabalho não quer, necessariamente, bons profissionais, mas pessoas com "jogo de cintura" para cumprir as normas da empresa, em muitos casos sendo preferível que o empregado fosse um misto de Malvino Salvador, Luciano Huck, Danilo Gentili e Galvão Bueno.
Os moralistas não entendem o sofrimento das pessoas e resmungam com a boca torta quando veem moradores de rua pedindo dinheiro. "Ora, vá arrumar um emprego", sussurra consigo mesmo o moralista, como se quisesse dizer para o pedinte, mas não de forma aberta, mas oculta. E isso mostra o quanto é perverso cobrar demais a quem não tem.
Nos "centros espíritas", os chamados "auxílios fraternos" são antros de terrível desumanidade. Quando as pessoas declaram suas angústias extremas, seus sofrimentos sem solução e suas desgraças acumuladas sem controle, os tarefeiros (colaboradores dessas "casas espíritas") chegam a fazer caras de êxtase, sorrindo com pretensa bondade e, falando mansamente, logo lhe dizem: "Ah, está tudo bem, vamos lhe dar o tratamento para você seguir, mas está tudo bem, tenha fé em Deus" etc.
Só que, muitas vezes, o tratamento espiritual não só não consegue resolver os problemas primários como traz outros. E aí vemos, por exemplo, as humilhações e tragédias que a pessoa passa a ter, de repente. A natureza confusa e contraditória do "espiritismo" brasileiro que rompeu com o cientificismo original em prol de um igrejismo mal disfarçado influi muito nas más energias espirituais, o que faz com que tais tratamentos tragam azar e não sorte na vida.
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