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Deturpação do Espiritismo não foi um processo acidental


LIVRO DE DIVALDO FRANCO FALA DE SUA AMIZADE COM CHICO XAVIER. OS DOIS SÃO OS MAIORES DETURPADORES DA DOUTRINA ESPÍRITA EM TODA SUA HISTÓRIA.

A chamada "catolicização do Espiritismo" é oficialmente consentida por uma série de desculpas. A maior delas consiste em usar como pretexto as "tradições da religiosidade cristã brasileira" para permitir os desvios doutrinários ao legado espírita original, abandonando o cientificismo da Codificação e inserindo nelas conceitos igrejistas oriundos do Catolicismo jesuíta e medieval que vigorou no período colonial.

Em certos momentos, se interpreta de maneira leviana e tendenciosa as ideias de Allan Kardec, sobretudo a partir de traduções igrejeiras de Guillon Ribeiro (FEB) e Salvador Gentile (IDE), e a partir daí o pedagogo de Lyon é rebaixado a um sacerdote igrejeiro, a partir de falácias que distorcem as ideias pacifistas e do apreço do educador aos ensinamentos de Jesus.

De falácia em falácia, cria-se uma verdadeira "história de pescador" que nas últimas décadas norteia a visão oficial que se tem da Doutrina Espírita no Brasil, uma abordagem muito simplória, mas que mesmo assim é aceita com resignação bovina até mesmo pela imprensa que deveria ser mais investigativa, pois, se não se aceita sempre o que o Supremo Tribunal Federal diz, muito menos deveria se aceitar o que é dito pela "Federação Espírita Brasileira".

A narrativa é fácil demais. Parece enredo de novela. Um professor discípulo de Pestalozzi descobre fenômenos paranormais, estuda eles e cria sua teoria, que no Brasil é acrescida pela religiosidade cristã e uma religião é inaugurada. E dormimos tranquilos diante de uma estória dessas, ao mesmo tempo infantil e mentirosa.

No caminho da "seara espírita", temos figuras desagradáveis aqui e ali, escondidas debaixo do tapete. De um lado, Jean-Baptiste Roustaing, o deturpador que, até agora, não deixou uma foto para nossos dias, que era exaltado pela FEB e hoje seu sobrenome é um "palavrão" para o "movimento espírita". De outro, tivemos o sobrinho Amauri Xavier, que iria denunciar os bastidores da deturpação no que se refere às fraudes "mediúnicas". Ele morreu por uma provável "queima de arquivo" em 1961.

No lado roustanguista, tivemos, recentemente, o caso do suposto curandeiro e um dos maiores latifundiários de Goiás, João Teixeira de Faria, o João de Deus, considerado discípulo de Francisco Cândido Xavier mas, como foi denunciado por vários crimes, como assédio sexual, estupro, porte ilegal de arma, enriquecimento ilícito etc, foi defenestrado pelo "movimento espírita" que estava adotando ele mesmo como um dos "futuros profetas".

Com essa sujeira debaixo do tapete, a FEB oferece um prato feito, um press release no qual se oferece a "narrativa de novela" que é o "histórico oficial do Espiritismo" no Brasil e no mundo, e a imprensa como um todo, mesmo a alternativa e a investigativa em geral, aceita com submissão um tanto ingênua e perigosamente desaconselhável.

"ACIDENTE" E "ENTUSIASMO"

Dois maiores deturpadores são identificados como os mais graves no que se refere aos desvios doutrinários cometidos: Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, e seu discípulo Divaldo Pereira Franco. Suas contribuições tornaram-se as mais nefastas para o legado espírita original, devido à grande produção de livros e depoimentos ou palestras.

Os dois, cuja prática os enquadraria como "inimigos internos do Espiritismo" - atribuição que soa dolorosa para seus seguidores e simpatizantes - , são oficialmente considerados "catolicizados acidentais". A falácia, muito bem construída, justifica a catolicização que eles promoveram no Espiritismo como um fato "acidental" decorrente de "entusiasmo" com as origens católicas de ambos.

A estória convence, pela narrativa bem construída. Chico Xavier e Divaldo Franco "catolicizaram" o Espiritismo "sem propósito" e movidos por um "grande entusiasmo" por suas origens católicas, que o fizeram carregar de "muita religiosidade" devido a uma (suposta) afinidade doutrinária com os ensinamentos cristãos.

Isso trouxe a permissividade igrejeira que fez o Espiritismo se reduzir, no Brasil, a um "outro Catolicismo", principalmente mais antiquado que o original, considerando que a Igreja Católica passou por transformações ao longo dos últimos séculos, enquanto o que se entende como Doutrina Espírita no Brasil herdou para si os conceitos medievais descartados pelos católicos.

O "espiritismo" brasileiro apenas mesclou a herança do Catolicismo medieval com elementos que eram próprios dos chamados "feiticeiros" da Idade Média: a vidência, a terapia supostamente homeopática (mas feita ao arrepio da ciência médica e nutricional), o esoterismo, o misticismo ocultista, os contatos com os mortos sem a vigilância nem a cautela intelectual necessárias.

Com isso, houve uma dupla eliminação dos postulados originais. Mas isso não é percebido pelo grande público, que desconhece a deturpação feita aqui com o Espiritismo, sobretudo porque a nossa imprensa viciada não tem o menor interesse em informar.

Levamos gato por lebre e achamos natural os coelhos miarem, diante de um Espiritismo postiço, que nada tem dos ensinamentos originais de Kardec, aceitos apenas da boca para fora, pela letra "desencarnada", sem que houvesse uma prática e um entendimento rigorosamente verdadeiros.

Pior: há alguns demagogos dentro do "movimento espírita" que fingem condenar a deturpação, pregam o "mais absoluto respeito às bases doutrinárias de Kardec", e falam que devemos "não só entender Kardec, mas viver Kardec no dia a dia", uma grande tolice que nada contribui para o real entendimento da Doutrina dos Espíritos.

Muito pelo contrário, essa falácia toda distorce as coisas, sob vários aspectos. Uma mensagem fake atribuída a um dos fundadores da FEB, Adolfo Bezerra de Menezes - que os "espíritas" acreditam nunca ter mais reencarnado, mas, provavelmente, está em sua segunda ou terceira encarnação após seu falecimento em 1900 - , apelava para os "espíritas" se "kardequizarem", um termo que, embora seja ligado a Kardec, soa como uma corruptela.

Afinal, "kardequizar" soa próximo a "catequizar", o que mostra o lado oculto desse discurso de "fidelidade doutrinária", de um igrejismo muito mal disfarçado que só incrimina a "deturpação dos outros", a "catolicização" e a "vaticanização" quando elas envolvem membros pouco influentes. E isso quando se credita ao "respeito às bases doutrinárias" até ações de filantropia fajuta como dar banhos em mendigos e oferecer-lhes cobertores velhos e rasgados.

Além disso, condena-se a "catolicização" quando ela é um argueiro nos olhos de "espíritas" de menor expressão, como Luciano dos Anjos, que denunciou as práticas de plágio de Divaldo Franco na obra do já plagiador Chico Xavier. Luciano foi um roustanguista que, mais tarde, tornou-se crítico do próprio roustanguismo que professava, mas acabou sendo um dos "bodes expiatórios" dos escândalos ocorrentes no "movimento espírita" nos anos 1970.

Porém, quando a "catolicização" parte das traves dos olhos de Chico Xavier e Divaldo Franco, os próprios "espíritas" exaltam, dizendo que isso "não ofende os postulados originais", pelo pretexto de serem "direcionados à defesa da paz e da fraternidade". O "bom igrejismo" de Chico e Divaldo é assim creditado como "saudável" e "equilibrado", uma mentira que possui interesses comerciais ocultos.

Na crise do roustanguismo no "movimento espírita" brasileiro, os espíritas autênticos, como José Herculano Pires, começaram pregando um inflexível combate à deturpação, mas depois, sob o pretexto do "perdão e da união fraterna", aceitaram que os dois "médiuns" deturpadores, Chico e Divaldo, estivessem tendenciosamente ao lado dos "científicos", prometendo "ajudar na recuperação das bases doutrinárias".

Essa "confraternização das raposas com as galinhas" prejudicou justamente o propósito dessa causa. Falou-se em "equilíbrio" e usou-se, de maneira leviana e distorcida, as alegações de que se seguiria as determinações de Kardec em equilibrar Filosofia, Ciência e Moral (o "movimento espírita" substitui Moral por Religião) e considerar que "fora da caridade não há salvação".

Com isso, o igrejismo que se julgava superado aumentou consideravelmente e de forma ainda mais descontrolada. Ideias de herança roustanguista, que envolvem um moralismo punitivo ("reajustes morais espirituais", "resgates coletivos"), profetismo messiânico ("data-limite" de Chico Xavier), e até quimeras ufanistas ("Pátria do Evangelho"), coexistiam de maneira promíscua com o cientificismo de Allan Kardec.

Misturava-se Erasto com Emmanuel, ideias conflituosas sobre mediunidade, conceitos de física quântica misturados com Astrologia, menções pedantes de assuntos científicos, bajulação a personalidades progressistas (como Martin Luther King e Dom Paulo Evaristo Arns) e exaltação a figuras reacionárias (como Madre Teresa de Calcutá) eram misturados na gororoba conceitual de um "espiritismo" que, estranhamente, se gaba de ser uma "religião cheia de erros".

Isso causou um grave prejuízo, que fez o Espiritismo, no Brasil, ser rebaixado a uma religião que, em que pese seu verniz de sobriedade, simplicidade e despretensão que faz multidões dormirem tranquilas, é a mais retrógrada e desonesta do Brasil, porque comete traições doutrinárias enquanto prega a "fidelidade doutrinária" que não tem o menor interesse real em seguir.

Pode ser que seitas evangélicas neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus, tenham suas práticas perniciosas, defendam valores retrógrados e confirmadamente medievais e sejam movidas pela ganância doentia de seus pastores e sacerdotes (os chamados "bispos"). Mas é o "espiritismo à brasileira", com toda sua fachada "admirável", que comete a desonestidade doutrinária que os neopentecostais não cometem.

Afinal, os neopentecostais, com seus argueiros nos olhos, podem ser retrógrados, mas eles assumidamente defendem esses valores e não negam o caráter antigo das ideias que pregam. O "espiritismo brasileiro", com suas traves nos olhos, é que fogem dos ensinamentos kardecianos, mas tentam dar a impressão de que os cumprem, senão com perfeição - virou moda os "espíritas" se acharem "imperfeitos, com muito orgulho" - , mas com a "honestidade" que, em verdade, não têm.

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