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Ideia de "criança índigo" só tem validade no Brasil e é discriminatória


JAN TOBER, LEE CARROLL E NANCY ANN TAPPE - ELES INVENTARAM AS "CRIANÇAS-ÍNDIGO" PARA SE ENRIQUECEREM VENDENDO LIVROS E PALESTRAS.

Gosta do mito da criança-índigo ou criança-cristal? Acha que esse mito se encaixa na patriotada profética da "pátria do Evangelho" e da "regeneração da humanidade"? Acha que essas classificações definem supostos missionários que iriam "modernizar" os ensinamentos de Jesus Cristo? Acredita que tais crianças, assim classificadas, seriam espíritos de elevada evolução moral?

Infelizmente, tudo isso não passa de uma grande palhaçada discriminatória. Como os brasileiros são altamente vulneráveis aos apelos fortemente emocionais da religião, se deixam levar pelas armadilhas fáceis que apresentam ideias agradáveis, pois se acredita que ideias que são sempre agradáveis são sempre verdadeiras e sempre progressistas, o que é um terrível e desastroso engano.

A farsa das "crianças-índigos" ou "crianças-cristais" foi inventada por autores estadunidenses como Nancy Ann Tappe e o ex-casal Jan Tober e Lee Carroll visando criar um modismo esotérico para fazê-los enriquecer vendendo livros e palestras. Era uma forma de charlatanismo intelectual, que usava de pretensas profetizações para alavancar o rendimento financeiro com tais eventos.



No Brasil, embora as teses de "crianças especiais" tenham sido antecipadamente descritas, com teses meramente especulativas e sem fundamento científico, por Francisco Cândido Xavier (este no livro infantil Crianças no Além) e Yvonne Pereira, a tese que encheu os bolsos de Nancy, Jan e Lee foi encampada pelo "médium" baiano Divaldo Pereira Franco.

Divaldo tornou-se o propagandista das "crianças-índigos", que o "movimento espírita" acolheu com gosto e resolveu inserir no profetismo barato que já anunciava uma cidade espiritual (na verdade fictícia), chamada Nosso Lar, e já previa uma teocracia travestida de "nação fraterna", através do projeto "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho". Tudo ao arrepio da Doutrina Espírita original.

Segundo Divaldo Pereira Franco, as "crianças-índigos" seriam crianças de "sofisticada formação intelectual" que teriam ambições de "se destacarem cedo na humanidade". As "crianças-cristais" seriam a forma "mais evoluída", sem a impulsividade confusa que se atribui, de acordo com esta tese, os chamados "índigos".

Com uma narrativa construída com habilidade dramatúrgica, dentro de um "espiritismo" que moldou a imagem de bom-mocismo que hoje repousa em Chico Xavier, se conseguiu encaixar um modismo esotérico de muito mau gosto.

Ele se encaixa na narrativa "profetista" que o "espiritismo" brasileiro usa para encher suas "casas espíritas", vender muitos livros e faturar adoidado em palestras da doutrina igrejeira brasileira, sempre sob a desculpa de que tudo vai "para o lar dos desabrigados, o pão dos famintos e o remédio dos enfermos".

No entanto, o modismo das "crianças-índigos" é tão farsante que, em dado momento, Jan Tober e Lee Carroll passaram a divergir na divisão dos lucros e resolveram se divorciar. Enquanto isso, num Brasil deslumbrado com a fascinação obsessiva pelos "médiuns espíritas" - agora considerados "imperfeitos", mas que continuam gozando da mesma idolatria cega - , a falácia continua fazendo sentido.

DISCRIMINAÇÃO

A ideia das "crianças-índigos" e "crianças-cristais" parece muito agradável, mas é discriminatória por vários aspectos. Ela trata crianças e jovens dotadas de uma inteligência fora do comum como se fosse "excepcional", o que traz uma separação dessas novas gerações da normalidade social. E, ainda mais, diante de um cenário de burrice e mediocrização cultural intensos que o Brasil vive, a situação piora até para quem tem um pouco mais de dois neurônios e não se considera "mais um no rebanho".

Além disso, ela revela uma perspectiva materialista dos "espíritas". Afinal, a atribuição de que o corpo físico ainda em formação se torna "excepcional" ao abrigar espíritos de inteligência mais apurada revela um caráter material, se esquecendo os próprios "espíritas" da função reencarnacional na qual pessoas de inteligência sofisticada reencarnam e, naturalmente, podem manifestar seus dons na infância por uma simples questão de normalidade.

Em muitos casos, a manifestação precoce de inteligência e elevação moral são necessidades naturais de espíritos que, numa encarnação anterior, faleceram prematuramente ou tiveram seus projetos de vida interrompidos no nascedouro ou mesmo no auge.

Dessa forma, a reencarnação lhes dá a noção de que não existe tempo a perder e a pessoa que, na vida anterior, morreu, digamos, na casa dos 20 ou 30 anos, interrompendo um projeto de vida, na encarnação posterior, na qual já perde cerca de dois anos para despertar a mínima consciência do mundo em sua volta, a pessoa não quer esperar tempo para manifestar seu saber, em certos casos podendo chegar aos 14 anos com um nível intelectual de uma pessoa de 30.

Chega a ser uma humilhação pessoas assim serem tratadas como se fossem "excepcionais", o que esconde uma discriminação social muito grande, que impede que pessoas assim tenham uma vida social saudável. Na Grã-Bretanha, um menino considerado "superdotado", ao ser perguntado sobre o que ele queria de presente de aniversário, ele respondeu sem a menor hesitação: "Eu quero amigos".

Mesmo a retórica "missionária" trazida pelo "espiritismo" não beneficia as coisas. Pelo contrário, as prejudica, pois coloca as crianças e jovens classificados como "índigos" ou "cristais" sob uma suposta responsabilidade divinizatória que lhes incomoda.

Isso nos faz lembrar de um conto do verdadeiro Humberto de Campos - o que esteve entre nós, não o "sacerdote" choroso das "psicografias" fake - , "Jesus", presente no livro O Monstro e Outros Contos, de 1932, no qual se narrava a figura do menino Jesus de Nazaré, que não queria ser "deus" e ficava triste em ser proibido de brincar com os amigos.

Além disso, em contrapartida, interpretações "espíritas" tidas como "mais realistas" (a tal "imperfeição espiritual") poderiam também classificar como "índigos" jovens desordeiros e até criminosos.

Dessa forma, seria também considerado "índigo" o sequestrador do casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé, assassinados na ocasião em 2003, o jovem Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, por ter apenas 16 anos e uma frieza calculista de bolar o sequestro e morte do jovem casal.

Ou então desordeiros políticos como Kim Kataguiri e Fernando Holiday, jovens conservadores do Movimento Brasil Livre, e os três principais filhos de Jair Bolsonaro, Flávio, Eduardo e Carlos, também estariam enquadrados nas "crianças-índigos".

ALLAN KARDEC NUNCA FALOU EM CRIANÇA-ÍNDIGO

Isso confunde ainda mais as coisas e coloca o "espiritismo" em mais uma enrascada. Afinal, é fake a informação de que Allan Kardec teria previsto a criança-índigo ou criança-cristal, como de forma precipitada fizeram setores do "movimento espírita", diante das expectativas sobre o tal "momento de regeneração da humanidade".

Kardec em nenhum momento previu crianças-índigos. Ele, na verdade, considerava que poderiam surgir pessoas com notável saber e elevação espiritual, mas em nenhum momento ele estabeleceu um grupo específico que discriminasse, mesmo "para o bem", tais pessoas.

Além disso, o pedagogo francês também nunca defendeu ideias como a "profecia da data-limite", trazida por Chico Xavier, tanto por rejeitar a ideia de estabelecer datas prévias para acontecimentos futuros quanto por reprovar a tese de que haverá evoluções rápidas na humanidade. Kardec já definiu, aliás, que supor datas prévias para acontecimentos futuros é uma atividade própria de espíritos, encarnados ou desencarnados, de baixa evolução moral.

Portanto, a ideia de "criança-índigo" e similares - ainda há as tais "crianças-estrelas", outra palhaçada mística - se consiste numa farsa que somente o Brasil acolhe como um assunto sério, como tudo que surge sob o rótulo do Espiritismo, ao qual até ideias truncadas e aberrações conceituais são aceitas sem questionamento, por causa da grife que representa essa religião, marcada por uma narrativa agradável, porém cheia de inverdades e mentiras.

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