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Que "caridade" é essa da religião que faz apologia da desgraça humana?



A Teologia do Sofrimento é o "holocausto do bem". É como a fruta da mancenilheira, de sabor muito doce e agradável, mas cujo veneno causa intoxicação e asfixia, de efeitos mortais. Cria-se uma narrativa tão agradável que ninguém consegue ter noção da perversidade dessa corrente do Catolicismo medieval, que pede para os sofredores aceitarem desgraças ou a fazer sacrifícios acima dos limites para superá-las.

Muitas pessoas levam o jaguar como se fosse um gatinho fofinho e imaginam que a Teologia do Sofrimento é uma maravilhosa lição de vida. Não, ela não é. É uma crueldade sem tamanho, oferecida com palavras dóceis e uma narrativa em tom bastante paternal, tão suave que poucos se dão conta de estarem ingerindo um veneno ideológico que parece uma "saudável receita de vida".

No Brasil extremamente confuso no qual conceitos da moral reacionária se misturam a ideias esotéricas, mitificações hippies banalizadas e arremedos de crenças orientais, temos um Espiritismo que nada tem a ver com os postulados originais franceses, mas que usa Allan Kardec como alvo de bajulação e como pretexto para legitimar ideias e crenças que o pedagogo francês, em verdade, nunca compartilhou.

Isso é bastante terrível, e num país em que a maioria da multidão é desinformada ou é considerada "analfabeta funcional" - capaz de ler e escrever, mas com incapacidade de entender e refletir as coisas mais complexas da vida - , as religiões, sem excluir a "espírita", se aproveitam disso para iludir as pessoas, através de conceitos que combinam mistificação com moralismo.

A Teologia do Sofrimento foi acolhida pelo "movimento espírita" com maior entusiasmo do que os católicos mais ortodoxos. Isso porque um católico ortodoxo, Francisco Cândido Xavier, com indícios de ser portador de esquizofrenia, foi excomungado porque, com toda a fé medieval que professou em toda sua vida, o suposto médium foi expulso do Catolicismo porque "conversava" com sua falecida mãe, Maria João de Deus, morta quando o filho era ainda criança.

Chico Xavier, como alguém que sequestrou um carro, brigou com o motorista e lhe tomou o volante, fez desvios gravíssimos da Doutrina Espírita, praticamente mudando de itinerário. Se a doutrina francesa original caminhava para a frente pelo Iluminismo e pela ênfase na lógica e no bom senso, a doutrina brasileira de Chico Xavier andou para trás, no sentido do Catolicismo jesuíta português (que vigorou no Brasil-colônia e tinha essência medieval) e pela ênfase no igrejismo e na mistificação.

As pessoas não entendem isso e mesmo intelectuais sérios cometem deslizes, se deixando seduzir pela "Disneylândia" de jardins floridos, céus de brigadeiros e um enorme "castelo" em formato de shopping center chamado Nosso Lar, além de relvas frondosas sobre as quais brincam crianças sorridentes e animais fofinhos, como coelhos, filhotes de gatos e cachorros e passarinhos.

EMOTIVIDADE VICIADA E TENTADORA

Através desses apelos de profunda beleza, se faz aceitar tudo da deturpação do Espiritismo, sobretudo quando há os apelos paternalistas da "caridade" que quase nada ajuda, mas que se apoia numa simbologia na qual as pessoas estão mais preocupadas em defender, mesmo quando os resultados sociais dessa pretensa filantropia sejam muito fracos e medíocres.

Os brasileiros são tomados dessa emotividade viciada e tentadora, que os faz travar o raciocínio. Como num canto-de-sereia, as pessoas se deixam levar nos caminhos da perdição, por conta de apelos de beleza trazidos pela imagem do velhinho frágil e de sorriso débil, cercado de flores e paisagens celestiais, hipnotizando muitos "Ulisses" que se afogam no mar da mistificação, tomados pelo fascínio obsessivo de apelos pretensamente singelos e confortantes.

Com isso, as pessoas se sentem dominadas para receberem a perversa Teologia do Sofrimento, sem ter um mínimo de confiança. Dominados pela traiçoeira imagem de Chico Xavier e seu sorriso débil, as pessoas se deixam levar por ideias muito cruéis que se relacionam aos apelos para aceitar as desgraças em silêncio e exercer a servidão e a submissão extremas, se sacrificando demais na vida como se a encarnação fosse um Serviço Militar.

As pessoas são tomadas de tanta emotividade que ficam confusas. Creditam como "progressistas" e "inegavelmente positivas" ideias que, em verdade, soam reacionárias e obscurantistas. Se esquecem que a escravidão é defendida pela moral religiosa não sob este nome, mas "pela disposição de servir sempre, mesmo no momento de exaustão extrema", pois se o "senhor de engenho" tem o nome de Deus, as pessoas aceitam sem questionar.

E que religião é essa que diz ser Espiritismo no Brasil, faz bajulações intensas a Allan Kardec, diz promover a "caridade mais autêntica", mas promove esse moralismo moral e obscurantista, disfarçado por dóceis palavras, tentando convencer os infortunados de que é preciso aguentar as desgraças sem reclamar da vida.

Em certos momentos, o "espiritismo" brasileiro chega a ser cruel. Inimigo da individualidade, o moralismo "espírita" prega o "combate ao inimigo de si mesmo", uma ideia que, depois, seus pregadores, envergonhados com a má repercussão de ideias taxativas, definem ser "uma metáfora".

Chegam, também, esses pregadores a defender que a pessoa "ame a desgraça como se fosse uma pessoa amada", ou "em vez de reclamar pelo acúmulo de desgraças na vida, dê graças a Deus", como se sorrindo feito tolos diante de infortúnios que chegam e crescem sem controle fossem resolver os problemas. Imagine, nossas almas esmagadas por tantas perdas, obstáculos e humilhações, forçadas a sorrir e agradecer, como que num masoquismo da fé religiosa.

Só isso faz o "espiritismo" brasileiro e, principalmente, a pessoa de Chico Xavier, desmerecer qualquer associação com a caridade. Até porque ninguém ajuda quando pede para os sofredores "aguentarem a barra", mesmo caprichando no açúcar das palavras.

Além disso, se compararmos o número de pessoas "ajudadas" pelo "Espiritismo à brasileira" - incluindo a suposta filantropia de Chico Xavier - com o número de sofredores aconselhados a suportar as desgraças como um faquir sobre uma cama de pregos, verá que o número destes últimos é bem maior, pois os "espíritas", embora autoproclamem praticantes de Assistência Social, praticam Assistencialismo (caridade de baixos efeitos na sociedade).

Só isso poderia pedir para as pessoas riscarem a palavra "caridade" do dicionário do "Espiritismo à brasileira". Mas os brasileiros ainda estão tomados de paixões religiosas para entender aspectos negativos de ideias que lhes são servidas pelas palavras açucaradas.

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