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A deturpação do Espiritismo não se resolve com os deturpadores recuperando bases doutrinárias


DIVALDO FRANCO E CHICO XAVIER PROMETERAM RECUPERAR O ESPIRITISMO ORIGINAL, MAS SE TORNARAM AINDA MAIS IGREJISTAS.

A deturpação do Espiritismo não pode ser resolvida com os próprios deturpadores recuperando as bases doutrinárias. A solução da "raposa reconstruindo o galinheiro" é, em tese, muito fácil e bastante louvável, mas ela não traz vantagens e pode fazer com que os danos anteriores não fossem corretamente reparados.

Com a crise do roustanguismo no "movimento espírita" brasileiro, investiu-se numa solução que, à primeira vista, foi conciliadora e, portanto, aparentemente mais viável, mais vantajosa e baseada em princípios bonitos de perdão e fraternidade.

A "solução" de pedir aos deturpadores do Espiritismo recuperarem as bases doutrinárias, sob o pretexto de que eles, sobretudo os "médiuns" Divaldo Franco e Francisco Cândido Xavier, "erraram, mas aprenderam", parecia boa. Supostamente foram expressos remorsos, pedidos de desculpas, promessas de fazer algo diferente e coisa e tal. Em tese, tudo parecia maravilhoso e perfeito.

No entanto, a prática não se deu como desejada. Em vez da tão sonhada conciliação para recuperar as bases kardecianas, o que se viu foi o agravamento da "vaticanização do Espiritismo", cada vez mais catolicizado e igrejificado. E a situação tornou-se ainda pior do que se imagina.

Nessa conciliação em que as "raposas" da deturpação espírita prometiam "reconstruir o galinheiro" kardeciano, até José Herculano Pires, inicialmente o mais enérgico combatente dos desvios doutrinários, se amenizou e suavizou o discurso, diante da ilusão de que, unindo os "místicos" e os "científicos", o Espiritismo estaria caminhando para uma fase de equilíbrio e paz.

Grande engano. Herculano Pires acabou falecendo e, em seguida, virou alvo de uma falsa materialização movida por um delegado amigo de Chico Xavier, mostrando que as coisas não se resolveram como o prometido. O Espiritismo continuou sendo vítima de uma permissividade igrejeira e falsificadora que se permitiu sob o rótulo do prestígio religioso de alguns figurões.

A situação ficou tão ruim que a disputa de egos dos palestrantes secundários (quanto à sua projeção para o público leigo) - de nomes como Alamar Régis Carvalho e outros - fez com que as acusações de "vaticanização" fossem atribuídas a nomes de menor expressão que usavam os temas religiosos, de inspiração católica, como trampolim para a ascensão no mercado de livros e palestras "espíritas".

Desse modo, o que observamos no "movimento espírita" foi o agravamento da "catolicização":

1) Com a aliança da mídia hegemônica, como a TV Tupi e a Rede Globo, os romances "espíritas", claramente identificados com as novelas das duas emissoras, tiveram sua produção ampliada, com muitos dublês de médiuns lançando romances com pseudônimos "espirituais", seguindo sempre uma cartilha moralista e igrejeira, em obras literárias bastante medíocres;

2) A exposição de ideias originais de Allan Kardec foram feitas da boca para fora, sobretudo da parte de Divaldo Franco, em entrevistas, palestras e depoimentos, seja em fingido tom professoral (entrevistas na TV), seja em dramatizações verborrágicas, como nas palestras.

3) As ideias originais de Kardec passaram a coexistir com ideias igrejeiras (sobretudo de Chico Xavier) que as contradizem, criando um engodo "espírita" em que, no assunto de mediunidade, ideias contraditórias se misturam, como a ideia de que o "telefone só toca do lado de lá" (de Chico Xavier) e a possibilidade de encarnados chamarem desencarnados (de Allan Kardec).

4) Mesmo condenado ao desprezo e ao repúdio, o nome do deturpador pioneiro J. B. Roustaing deixou como herança muitos de seus valores: a culpabilização da vítima nos erros cometidos na vida, os "reajustes espirituais", os rituais igrejeiros nos "centros espíritas" (que vão da leitura obrigatória de um texto de Emmanuel à distribuição de "água benta", a "água fluidificada") e a pretensa profetização (vide a "data-limite de Chico Xavier);

5) Chico Xavier e Divaldo Franco lançaram livros cada vez mais catolicizados, obras nas quais a religiosidade extrema e obscurantista se sobrepunha à razão, à lógica e ao bom senso. Nelas também eram transmitidos valores moralistas conservadores que destoavam do progressismo dos postulados originais. A apologia ao sofrimento (Teologia do Sofrimento) é um desses valores moralistas.

Com isso, a boa-fé do jornalista José Herculano Pires, que acreditou que negociar com os deturpadores - entre eles Chico Xavier, amigo de Herculano ("amigos, amigos, negócios à parte") - possibilitaria o retorno às bases doutrinárias do Espiritismo original, resultou no contrário: a radicalização da catolicização que corrompeu a compreensão do Espiritismo no Brasil.

O mais grave é que, com essa catolicização movida por apelos trazidos pelo "bombardeio de amor" - técnica perigosa e traiçoeira de manipulação da mente humana que, no Brasil, foi muito usada por Chico Xavier - , pessoas que poderiam investigar as irregularidades do "movimento espírita", como jornalistas, acadêmicos e juristas, se sentem paralisados pela fascinação obsessiva do "médium" envolto em apelos piegas como ilustrações de flores, céus azuis e coraçõezinhos vermelhos.

Isso se torna grave porque temos a Doutrina dos Espíritos refém dos deturpadores brasileiros, que dominaram todo o processo, sem que alguém tenha firmeza de caráter e coragem de enfrentar os totens religiosos sem se deixar levar pela pretensa emotividade que traz uma falsa impressão de receber energias agradáveis que, em verdade, são traiçoeiras como num "canto-de-sereia".

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