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Fora do Espiritismo não há salvação?



Uma das polêmicas questões que os "espíritas" brasileiros veem de maneira confusa é a de se não há salvação fora do Espiritismo. Evidentemente, Allan Kardec disse que sim, na hipótese de haver algo na Doutrina Espírita que entrasse em conflito com a Lógica e a Razão.

Ele mesmo disse que, se houver algo errado nos ensinamentos espíritas cujo equívoco pode ser comprovado pela Ciência, que seja preferível ficar com esta última. E é justamente isso que os "espíritas" brasileiros se recusam, até com certa agressividade, a fazê-lo.

A declaração de Kardec até foi parodiada pelo "médium" Francisco Cândido Xavier, em mensagem creditada a Emmanuel. Mas isso é uma declaração dotada da mais profunda hipocrisia, uma vez que o "espiritismo" brasileiro sempre combateu a Ciência, quando ela investe num senso crítico e investigativo mais apurado e que pusesse em risco os dogmas da "fé espírita".

Chico Xavier até disse, certa vez, que ficaria incomodado com a ideia de que "fora do Espiritismo não há salvação", mas isso também demonstra seu igrejismo católico que ele sempre manteve, e em níveis bastante ortodoxos, diga-se de passagem.

No entanto, o malabarismo discursivo aqui e ali, na qual as armadilhas de palavras contraditórias, com ideias retrógradas e mistificadoras, faz com que o "espiritismo à brasileira" de Chico Xavier exercesse a posse, se não exclusiva, da verdade, pelo menos a majoritária, à qual se atribui a condição de possuir a palavra final em tudo.

Dessa forma, qualquer questionamento é visto como "tóxico do intelectualismo" ou "tentação das paixões terrenas", e, tomando de empréstimo o mecanismo psicológico da Projeção (a mania de atribuir aos outros aquilo que o próprio acusador é), os "espíritas" atribuem o senso crítico mais apurado como "inquisição medieval".

Sabe-se que isso é feito para proteger os dogmas medievais do "espiritismo" brasileiro, que defende a hierarquização rígida da sociedade, a servidão, o trabalho exaustivo e a conformação com a desgraça humana. A Teologia do Sofrimento influi mais no "espiritismo à brasileira", a partir da obra de Chico Xavier, do que os postulados originais da Doutrina Espírita.

Evidentemente, a ideia de que "fora do Espiritismo não há salvação" é uma ideia que, em princípio, surgiu por ingenuidade e dúvida daqueles que começaram a conhecer a doutrina. Mas, no Brasil, ela revela o problema de desviar o aspecto moral do tripé espírita (Ciência, Filosofia e Moral), sobre o qual se pôs a Religião (que substitui a Moral nesse tripé), o que faz com que "espiritismo" seja visto mais pelo âmbito religioso do que racional.

A divergência, gravíssima, que Chico Xavier trouxe em relação aos postulados espíritas, enfatizando a Fé em detrimento da Razão - à qual só é permitida atuação por objetivos instrumentais, como pesquisas estatísticas filosofia abstrata ou estudos sobre doenças - , mostra o quanto o nome Espiritismo, de tão levianamente usado no Brasil, foi jogado à irrelevância.

Afinal, com as restrições que Chico Xavier determinou ao raciocínio lógico, ele eliminou o que havia de diferencial nas ideias kardecianas, promovendo a "igrejificação" e a "vaticanização" do Espiritismo, criando as bases da deturpação doutrinária.

É fácil falar em fidelidade doutrinária, mas são os piores traidores de Kardec, com Chico Xavier incluído, que mais falam em "vamos viver Kardec", falando de lealdade da boca para fora. No conteúdo, porém, há muito eles cometeram suas traições, prometendo assumir um compromisso que nunca praticaram nem tiveram o interesse em praticar e, como os piores traidores, quando criticados têm sempre a iniciativa de dizer que "erraram e vão aprender melhor", mas eles continuam na mesma.

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