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Supermacia da Fé desmascara Espiritismo feito no Brasil



É muito grave a divergência entre o Espiritismo original e o que se faz sobre seu nome no Brasil. A forma como são vistas a Fé e a Razão cria um sério conflito no qual não se pode mascarar com falácias como as que são pronunciadas pelo "espiritismo" brasileiro.

De um lado, temos Allan Kardec enfatizando que nada pode ser examinado sem o critério da razão. Ele é sempre claro no fato de que, se alguma coisa escapa do critério da lógica e da razão, ela perde a validade e o sentido. O rigor da razão sempre foi o princípio do pensamento kardeciano, com base na ideia de que os seres humanos são dotados da capacidade de raciocinar, daí a liberdade do senso crítico.

O contrário se observa nas ideias de Francisco Cândido Xavier. Contrário ao pensamento kardeciano, Chico Xavier defendia não o rigor da lógica e da razão, mas antes uma maior cautela e um limite em relação ao pensamento crítico, atribuindo os avanços do senso crítico ao suposto "tóxico do intelectualismo", a uma hipotética tentação das "paixões humanas e terrenas".

Não há como considerar as desculpas dos "espíritas" brasileiros. A turma do "não é bem assim" sempre surge para desmentir o óbvio, para negar o inegável, tentando criar um discurso escalafobético para defender suas convicções e mascarar as restrições que estabelecem a certas coisas.

É assim com o ato de raciocinar. É fácil, no discurso de Chico Xavier - e seus "heterônimos" não-assumidos que podem ser Humberto de Campos ou Emmanuel ou André Luiz - , fingir defender o comunismo, a homossexualidade e o livre pensamento, como se o "médium" de Pedro Leopoldo e Uberaba antecipasse os malabarismos discursivos (ou "desculpistas") de Sérgio Moro, hoje acusado de corrupção em gravações difundidas pelo jornal The Intercept.

No entanto, o enunciado é uma fachada. O problema não é dizer "sou a favor daquilo". Há preposições condicionais, e temos, na gramática, as orações subordinadas condicionais, às quais a primeira frase não pode representar, sozinha, uma ideia.

Se Chico Xavier diz: "o comunismo é louvável, desde que cristão", isso não significa que ele apoiou o comunismo. Seu repúdio enérgico a ele salta aos olhos e atinge os ouvidos na sua declaração explosiva no Pinga Fogo da TV Tupi. Se Chico Xavier diz: "devemos tratar os homossexuais com absoluto respeito", esquecemos que ele, na verdade, definia os homossexuais como "doentes da alma" e o que ele defendeu era a "cura gay", a "conscientização espírita da determinação que Deus dá à condição sexual do nascimento".

No caso do livre pensamento, as pessoas param no enunciado. Esquecem que "livre pensamento" sempre foi um eufemismo em que os piores fascistas usam para mascarar seu autoritarismo. O discurso tem muitas armadilhas e pode-se dizer "não" sem pronunciar essa palavra. Se formos adiante, o pensamento de Chico Xavier vai contra o senso crítico, e sua ênfase vai sempre no terreno da Fé, contra a qual a Razão não pode intervir, mas se subordinar à outra.

E isso mostra a gravíssima e irreconciliável divergência entre Kardec e Xavier, um conflito de ideias que a fachada de aparência agradável do Espiritismo tenta ocultar. A fachada que promete um "equilíbrio" entre Fé e Razão esconde a realidade cruel de um conflito sério que impede que o Espiritismo de Kardec, tão bajulado mas nunca seriamente praticado, seja compreendido de maneira adequada pelos brasileiros. Daí o agravante da deturpação espírita.

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